Notícias

2021, ano decisivo para um futuro mais verde

06 de Abril de 2021

Artigos

Paulo Hartung, Economista, presidente executivo da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), membro do conselho do Todos Pela Educação e ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Extraído do jornal O Estado de São Paulo, 06/04

“O futuro não é um lugar para onde estamos indo, mas um lugar que estamos construindo.” Nos dias que se sucedem neste 2021, a máxima de Saint-Exupéry deve ser observada com preciosa atenção: a significativa agenda ambiental que mobiliza o planeta este ano tem o condão de firmar as bases de um novo futuro, para as atuais e as próximas gerações.

Não podemos mais negligenciar discussões e decisões sobre a sustentabilidade do planeta. A covid-19, que, tragicamente, tem sido muito dura e vem ceifando milhares de vidas, é também fruto do descontrole na relação entre humano e natureza. Temos de agir e aproveitar as oportunidades para acelerar uma retomada verde.

Joe Biden convocou a Cúpula do Clima para o próximo dia 22, com o objetivo de ampliar políticas de combate a desmatamento e redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). Também haverá duas Conferências da ONU. A COP-15 da Convenção da Diversidade Biológica, que negociará o novo Marco Global de Biodiversidade. Já a COP-26 sobre Mudança Climática será a chance para, enfim, aprovar o artigo 6.º do Acordo de Paris, que estabelece e regula um mercado global de carbono.

Nacionalmente, Belém (PA) será a sede do Fórum Mundial da Bioeconomia, pela primeira vez realizado fora da Finlândia. Voltar os olhos para o Brasil pode nos dar a chance de protagonizar as discussões e estimular a estruturação de uma economia de baixo carbono.

Para ingressar numa nova economia não podemos mais nos basear nos velhos conceitos que nos guiaram até aqui. O meio ambiente sempre foi pensado sob o olhar de comando e controle, mas chegou o momento de enxergar além e criar estímulos, como o pagamento por serviços ambientais (PSA).

Devemos monetizar a floresta em pé. Essa é uma chance inigualável para o Brasil, que possui a maior floresta tropical e a maior biodiversidade do mundo. Preservando a Floresta Amazônica e com um comércio regulado de crédito de carbono, há estimativas de que poderíamos ter ganhos de até US$ 10 bilhões por ano. Montante que poderia ser um alento para os 25 milhões de brasileiros que vivem na região e sofrem com a falta de infraestrutura, como saneamento básico, serviços de saúde e de telecomunicações, entre outros.

Tem de se dar o devido valor ao cuidado com os recursos hídricos, lembrando que concentramos 12% da água doce do planeta. A matriz energética brasileira é uma referência, com cerca de 45% de geração limpa, mas com campo para avançar a partir, também, da energia eólica, solar e da biomassa.

Na seara da bioeconomia, não precisamos inventar a roda. Podemos dar escala a experiências de sucesso País afora. Na Amazônia, entre outros exemplos, o açaí movimenta cerca de US$ 1 bilhão por ano, a castanha e o cacau proporcionam sustento às comunidades, com espaço para avançar.

Outras regiões também produzem casos bem-sucedidos. O Brasil destaca-se como o segundo maior produtor de etanol do mundo, até exportando tecnologia. O setor de árvores cultivadas trabalha há anos com os dois pés na bioeconomia. Enquanto planta, colhe e replanta árvores para fins industriais em 9 milhões de hectares, destina outros 5,9 milhões de hectares à conservação, entre áreas de preservação permanente, de reserva particular do patrimônio natural e reserva legal. Juntas, essas florestas removem e/ou estocam 4,48 bilhões de toneladas de CO2 equivalente.

Nossas potencialidades estão postas à mesa. Precisamos transformá-las em oportunidades reais para ingressar nesta nova era da economia verde, que será marcada pelo mercado de carbono e outros mecanismos igualmente transformadores de nossa relação com a natureza.

Política ambiental é tema de Estado, e não de um governo específico ou de um partido. Trabalhar desde já com planejamento é cuidar da sociedade, proteger o meio ambiente e beneficiar até mesmo nossa competitividade internacional, que tem no comércio exterior um dos motores da economia brasileira. São nossas atitudes que farão o mundo confiar novamente no País e valorizar os produtos “made in Brazil”, em vez de criar barreiras comerciais.

Para isso temos uma lição de casa a fazer. Como prioridade, combater as ilegalidades, especialmente na Amazônia. Desmatamento, queimadas, garimpo e grilagem de terras devem ser coibidos. Em segundo lugar, implementar, de fato, o Código Florestal. Essa lei é moderna, pensada juntamente com a sociedade civil, e dispõe sobre PSA em seu artigo 41. Não é exagero imaginar que seu modelo possa ser exportado, apresentando-se como uma legislação de referência para o mundo.

O Brasil tem em suas mãos a chance de se tornar um dos faróis a iluminar o horizonte da caminhada verde do planeta. Até 2050 o mundo terá 9,7 bilhões de pessoas, que necessitarão de mais alimentos, mais roupas, mais moradias, mais infraestrutura e, sobretudo, uma vida mais sustentável. É preciso que iniciemos de fato a travessia rumo a um outro tempo, “atribuindo um novo sentido à existência de cada um e, também, do planeta”, como preconizou o saudoso geógrafo Milton Santos.

Veja também