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Açúcar e petróleo, relação ainda frágil

19 de Março de 2019

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Quando a Petrobras mudou de comando e de estratégia e passou a vincular os preços domésticos da gasolina às cotações internacionais do petróleo, foi uma alegria só entre os usineiros. Eles acreditavam que não apenas os preços do etanol acompanhariam as flutuações do derivado fóssil como também o açúcar seria levado por essa correnteza.

Afinal, no Brasil, maior exportador mundial e, supostamente, o maior influenciador de seus preços, o açúcar "concorre" pela mesma cana que o etanol. Até agora, entretanto, não foi exatamente assim.

De acordo com análise da consultoria FG/A, sediada em Ribeirão Preto (SP), desde outubro de 2016 - quando a Petrobras deu um cavalo de pau na sua política de preços de combustíveis sob orientação do recém-empossado presidente Michel Temer - até dezembro do ano passado, a correlação entre os contratos futuros (primeira posição de entrega) do açúcar demerara e os preços do petróleo WTI na bolsa de Nova York foi "negativa" em 53%. Ou seja, em mais de metade das sessões as cotações do açúcar e do petróleo caminharam em direções opostas.

 Essa disparidade ficou mais flagrante a partir do primeiro semestre de 2017, quando os preços do açúcar começaram a "derreter" diante dos sinais de que, com o apoio de generosos subsídios de Nova Déli - questionados por concorrentes ao redor de todo o planeta -, a produção de açúcar da Índia acabaria responsável por boa parte do superávit global de oferta de 10 milhões de toneladas observado na temporada internacional 2017/18.

A pressão sobre as cotações da commodity agrícola foi intensificada em meados do ano passado, quando as especulações pré-eleitorais no Brasil conduziram o dólar às nuvens, o que incentiva os brasileiros a ofertarem sua produção no mercado global. Em agosto de 2018, os preços do açúcar demerara caíram tanto que voltaram a visitar patamares que não eram observados desde 2007 - superando inclusive as mínimas registradas em 2015, quando o congelamento dos preços da gasolina no Brasil mais fustigou os mercados de etanol e açúcar.

Ao mesmo tempo, as cotações do petróleo iniciavam uma trajetória ascendente que só terminaria no último trimestre do ano passado, sustentadas pelo crescimento da economia global e por restrições da produção, pelas mais variadas razões, em quase todos os principais produtores, desde Irã e Venezuela até Estados Unidos e membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Em setembro do ano passado, a escalada do petróleo chegou ao pico e as cotações alcançaram o patamar mais elevado em quase quatro anos.

Esse movimento das cotações do petróleo chegou a ter uma correlação bem mais estreita com os preços domésticos da gasolina por causa da política da Petrobras. Segundo a FG/A, nesse caso a correlação foi "positiva" em 84% entre outubro de 2016 e dezembro de 2018. O reflexo também foi sentido no mercado de etanol, que surfou na alta da gasolina e ainda continua batendo recordes de vendas. Mas, no mercado de açúcar, se mostrou mais frágil do que parecia.

Nesse período de dois anos e cinco meses de liberalização dos preços domésticos de gasolina no Brasil, apenas nos últimos cinco meses o comportamento dos mercados de açúcar e do petróleo começou a ficar mais parecido. Segundo análise da FG/A, de outubro a dezembro de 2018 a correlação entre os contratos do açúcar demerara com vencimento em março de 2019 e os preços do petróleo WTI ficou positiva em 72%.

Para Juliano Merlotto, um dos sócios da FG/A, esse "descasamento" observado até o fim do ano passado é explicado porque havia um cenário de superávit de oferta de açúcar no mundo e também porque a política de "importação" de preços dos combustíveis fósseis é relativamente recente. "Começou só depois do governo Temer. Tem dois anos e foi concomitante ao pico de produção [de açúcar] na Ásia", diz.

Para a consultoria, os preços das duas commodities vão começar a se emparelhar a partir de agora. "Começamos a olhar uma produção menor em alguns países e regiões, como Índia, Europa e, recentemente, no Brasil. Com isso, podemos ver um ano em que não tenhamos tanta expectativa de superávit de açúcar no mercado mundial. Talvez a lógica possa prevalecer e a correlação aumentar", avalia Merlotto.

Além disso, muitos grupos sucroalcooleiros instalados no Brasil têm investido para aumentar a flexibilização de suas usinas para direcionar mais cana para a produção de etanol, o que aumenta a capacidade e a agilidade de alteração do "mix" de produção diante de mudanças nos preços.

"Já se vê mais correlação entre o açúcar e o etanol no futuro", indica. Mas novas surpresas não estão descartadas. "Ainda temos um estoque mundial elevado de açúcar", observa. O descasamento observado nesses dois anos, portanto, indica que é preciso que outros fatores estejam presentes para que a correlação se cumpra.

Valor Econômico - 19/03/2019

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