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Análise: Renúncia de diretor da ANP acontece em momento crítico no setor

17 de Janeiro de 2020

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O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, deixará o órgão regulador com um legado de reformas no setor e muitas das pautas cumpridas, especialmente na área de exploração e produção de óleo e gás. Quem assumir o comando da agência terá pela frente, no entanto, a missão de liderar uma agenda intensa — e controversa, internamente — na regulação do mercado de abastecimento de combustíveis.

A renúncia de Oddone acontece num momento crítico para a indústria de óleo e gás, que passa pela abertura do refino e do mercado de gás natural e exigirá muitas revisões no marco regulatório. Oddone anunciou nesta quarta-feira (15/01) a antecipação do fim de seu mandato, que se encerraria em dezembro de 2020.

Ele permanecerá no cargo até a aprovação de um substituto. Em carta enviada ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, o diretor afirma que já cumpriu a sua missão à frente do órgão regulador.

Indicado para comandar a ANP em 2016, durante o governo de Michel Temer, Oddone foi um dos homens de frente das mudanças regulatórias da indústria de óleo e gás dos últimos anos. Coube à agência, sob a sua batuta, organizar e executar o intenso calendário plurianual de leilões que rendeu oito grandes rodadas de licitação em três anos.

O diretor-geral da ANP conduziu também os trabalhos da agência nas extenuantes negociações do governo com a Petrobras sobre o contrato da cessão onerosa e, em 2019, participou das rodadas de estruturação da abertura dos mercados de refino e gás que culminaram na assinatura do termo de compromisso de cessação (TCC) entre a petroleira estatal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Entre as petroleiras, agradou ao colocar em pauta uma série de itens da agenda do setor, dentre eles a flexibilização do conteúdo local, comprando briga com a indústria naval.

Nesses últimos três anos, esteve também à frente da ANP num dos momentos recentes mais críticos para a indústria de óleo e gás: a greve dos caminhoneiros de maio de 2018. Defensor da liberdade de preços e quebra do monopólio da Petrobras no refino, aumentou a transparência do setor ao conseguir emplacar uma resolução que obrigou a estatal a divulgar os preços reais praticados pela empresa nos seus diferentes pontos de suprimento. Ainda no quesito transparência, foi no seu mandato que a ANP passou a transmitir ao vivo as suas reuniões de diretoria.

Mais recentemente, diante das tensões entre Estados Unidos e Irã, a preocupação com a escalada dos preços dos combustíveis voltou à pauta. E a divergência de opiniões com o governo sobre o assunto ficou evidente quando Oddone se posicionou de forma contrária ao uso de recursos públicos para atenuar a volatilidade da gasolina e do diesel.

Naquele momento, o ministro Bento Albuquerque falava em medidas para amortecer o impacto da alta dos preços internacionais sobre o mercado doméstico. Uma das medidas avaliadas era usar a arrecadação “extra” com royalties e participações especiais do petróleo, em momentos de alta da commodity no exterior, para amortecer o impacto sobre preços internos.

Preços

A carta de renúncia apresentada por Oddone a Bolsonaro e Albuquerque, aliás, data de 6 de janeiro, dia em que o comandante da ANP esteve em Brasília para discutir os riscos de uma alta dos preços dos combustíveis, frente às tensões no Oriente Médio.

Ainda no contexto das discussões sobre os preços dos derivados, Oddone assumiu, após a greve dos caminhoneiros de 2018, a bandeira da desconcentração do mercado. Colocou na pauta da ANP, discussões que desagradaram as principais distribuidoras de combustíveis do país, como a venda direta de etanol pelas usinas e a revisão da fidelidade comercial de postos às bandeiras das distribuidoras — ou seja, se dá ou não ampla liberdade aos postos para comprarem combustível de quem quiserem, independentemente da bandeira que apresentem.

No setor de gás liquefeito de petróleo (GLP), pautou a permissão para que distribuidoras vendam gás em botijões de outras marcas e o enchimento fracionado de botijões — um sistema que viabilizaria a recarga de recipientes e que o consumidor possa comprar volumes de acordo com sua demanda, e não somente botijões uniformizados.

Todo esse debate sobre as regras do abastecimento, que ocorre em meio ao processo de desinvestimentos da Petrobras no refino (e ano passado na Liquigas), preocupou alguns investidores.

Nessa agenda regulatória do abastecimento, aliás, Oddone enfrentou algumas vezes a resistência dentro de sua própria diretoria.

As divergências ficaram mais claras num episódio recente, na reunião de diretoria do dia 19 de dezembro. O diretor-geral estava de férias quando o seu colega, Felipe Kury, pautou, por falta de consenso da diretoria colegiada sobre o encaminhamento do debate, a retirada temporária de alguns itens da agenda regulatória 2020-2021, que foram sugeridos por Oddone e já haviam sido aprovados na semana anterior. Dentre os itens suspensos, estavam assuntos como a tutela regulatória de fidelidade à bandeira e flexibilização do uso de GLP para outras finalidades - como em caldeiras, saunas e aquecimento de piscinas.

Durante reunião de diretoria desta quinta-feira, Kury explicou que pediu a retirada dos respectivos itens porque eles foram inseridos na agenda, na reunião do dia 19, sem consulta prévia da área técnica responsável. Ele defendeu, portanto, a suspensão dos itens da agenda por uma “questão de forma”, para que sejam aprimoradas algumas “inconsistências”. O diretor negou que seja contrário a pautar os assuntos e alegou que eles serão debatidos pela agência ao longo do ano, até em função da necessidade de ajustar o marco regulatório do setor ao avanço dos desinvestimentos da Petrobras. Kury, que não estava presente na reunião que aprovou a primeira versão da agenda, no dia 12 de dezembro, questionou também o fato de os itens terem sido inseridos na agenda sem tempo hábil para discussão.

Entre os itens suspensos, estavam assuntos como a tutela regulatória de fidelidade à bandeira e flexibilização do uso de GLP para outras finalidades — como em caldeiras, saunas e aquecimento de piscinas - foram suspensos da agenda.

Na carta de renúncia, Oddone destaca que “uma nova fase se inicia” na regulação do setor e que acredita que este é o momento propício para definição de uma nova diretoria. Ele lembra que, em 2019, quando se iniciou o governo Bolsonaro, não hão houve alterações na composição da diretoria colegiada da ANP, mas que três novos diretores deverão ser nomeados em 2020, para os lugares dele próprio, Kury e do diretor Aurélio Amaral, cujos mandatos se encerram em 2020.

“Assim, decidi antecipar o fim do meu mandato, que iria até dezembro, permanecendo ainda no cargo o tempo suficiente para a aprovação do meu substituto. Dessa forma a primeira posição a ser indicada passa a ser a de diretor-geral”, afirmou, na carta. “Com o encaminhamento das grandes transformações no setor, derivadas de decisões de política energética, e a mudança do foco das ações para o ambiente regulatório, creio que essa é forma pela qual melhor posso contribuir para a consolidação do processo por que passamos, projeto no qual acredito e ao qual dediquei esses últimos anos”, complementou.

A ANP terá pela frente uma agenda intensa. Diante do avanço esperado na abertura do refino e gás, o órgão regulador se dedicará à revisão dos arcabouços regulatórios desses dois segmentos. Para 2020, estão previstas discussões sobre a separação entre a figura do transportador e dos agentes potencialmente competitivos dentro da cadeia de valor do gás; e diretrizes para o código de rede comum entre os diferentes transportadores. No abastecimento, a atualização das regras de controle de qualidade na revenda está na pauta.

 

Fonte:  Valor Econômico – 16-01

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