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De saída saída, Oddone cobra repasse de preço mais baixo

18 de Março de 2020

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De saída da diretoria-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone se despede do cargo com uma cobrança: está na hora de a queda abrupta dos preços internacionais do petróleo ser repassada para o consumidor final. Ele destaca que, acostumado a ver o combustível ficar mais caro nas bombas ao longo dos últimos anos, o brasileiro está diante agora de uma desvalorização que derrubou a cotação do barril para os seus menores
patamares desde janeiro de 2016. O novo cenário, influenciado pelos efeitos do novo coronavírus sobre a demanda e pela disputa de mercado entre sauditas e russos, funcionará, segundo Oddone, como um “teste interessante” para medir o bom funcionamento do mercado brasileiro.

Inicialmente, Oddone deixaria o cargo no próximo dia 27, após a assinatura dos contratos do leilão dos excedentes da cessão onerosa, mas decidiu antecipar seu desligamento, ontem, após o cancelamento dos eventos oficiais, como medida de prevenção à pandemia. Oddone se despede do cargo, após três anos à frente do processo de abertura do setor de óleo e gás.

“O que estamos vendo agora é um teste interessante para esse processo de abertura. Passamos os últimos anos defendendo, de corpo e alma, que o preço do petróleo, por se tratar de uma commodity, tem que seguir a variação do mercado internacional e câmbio. Ao longo dos últimos anos os preços subiram, na média, e agora estão caindo abruptamente. É a hora de ver essa redução chegar ao consumidor. Porque aí estamos comprovando a tese de que é um mercado aberto em que o preço sobe, mas também desce”, disse Oddone ao Valor, em sua última entrevista no cargo. “Se a queda dos preços não chegar ao consumidor, é porque nosso mercado efetivamente precisa de mais competição na cadeia toda, na distribuição, na revenda, e que alguém está se apropriando de margem”, completou.

Ao todo, a Petrobras já fez seis reduções nos preços do diesel em 2020, acumulando queda de 23,4% nas refinarias. No caso da gasolina, são sete reajustes, que acumulam redução de 20,6%. Motoristas costumam se queixar, porém, que o repasse para a bomba não se dá na mesma velocidade e intensidade. De acordo com a empresa de pesquisa de mercado Triad Research, o preço do litro da gasolina na bomba caiu 3,1% desde o último dia 12 - quando a Petrobras anunciou um corte de 9,5%. No diesel, a baixa nos postos foi de 3,9%, ante a queda de 6,5% nas refinarias.

Sobre o atual cenário de baixa do petróleo, Oddone disse não acreditar que os atuais patamares do barril do tipo Brent, de US$ 28,70, permanecerão por muito tempo. “Petróleo muito barato e petróleo muito caro não permanecem por muito tempo”, disse.

Indicado para comandar a ANP durante o governo de Michel Temer, Oddone assumiu em janeiro de 2017 e foi um dos homens de frente na condução do pacote de mudanças regulatórias da indústria de óleo e gás dos últimos anos. Desse trabalho, ele cita que deixa como legado um “conjunto de transformações”, que passa por medidas como a flexibilização das regras de conteúdo local e a implementação do calendário fixo de leilões - que rendeu nove rodadas em três anos, entre 2017 e 2019, e possibilitou uma onda de aquisições de áreas do pré-sal pelas grandes petroleiras internacionais.

“Arrecadamos R$ 112 bilhões em bônus de assinatura. Não me lembro de ter havido um outro processo que tenha trazido para os cofres públicos em tão curto espaço de tempo esse volume tão relevante de recursos”, disse.

Coube à Oddone conduzir também os trabalhos da ANP na negociação entre governo e Petrobras sobre a revisão do contrato da cessão onerosa; e adotar algumas medidas de estímulo a pequenas e médias petroleiras, como a redução da alíquota de royalties para projetos de revitalização de campos maduros e a criação da oferta permanente - espécie de licitação “on demand” de áreas de óleo e gás segundo o qual o órgão regulador coloca à disposição do mercado, permanentemente, um pacote de ativos para compra. Oddone, a propósito, defende que, no futuro, todos os blocos de exploração do país sejam licitados nesse modelo.

“As principais áreas do pré-sal já foram licitadas. Acabou o ciclo dos leilões de grandes áreas, com bônus elevados. A oferta permanente é o melhor caminho para deixar as companhias escolherem onde querem investir, ao invés de o poder concedente se arvorar ao direito de saber onde o investidor quer investir”, comenta.

Pelo pacote de medidas de estímulo às atividades de exploração e produção de óleo e gás, Oddone agradou as petroleiras. Por outro lado, comprou briga com a indústria naval e com grandes distribuidoras de combustíveis, sobretudo após a greve dos caminhoneiros de maio de 2018. Foi após a eclosão da paralisação que ele resolveu colocar a abertura do mercado de combustíveis na pauta da ANP. Desse movimento, surgiu um pacote de propostas como permitir a venda direta de etanol das usinas para os postos; liberar o enchimento fracionado de botijões de gás e a resolução da transparência - apontada por Oddone como um dos grandes legados de seu mandato, por ter obrigado Petrobras e importadoras a divulgarem
seus preços nos seus diferentes pontos de suprimento. “A transparência vai se encarregar de evitar que distorções no mercado de derivados não perdurem por muito tempo, como perduraram no passado”, defendeu ele.

Executivos de duas grandes distribuidoras de derivados criticaram, sob a condição de anonimato, o que chamaram de “excesso de voluntarismo” na condução da pauta. Segundo as duas fontes, Oddone focou muito numa agenda de varejo e desconcentrou-se do debate sobre medidas estruturantes para a atração de investimentos privados para infraestrutura, num momento em que a Petrobras reduz sua participação na cadeia. Ainda de acordo com as distribuidoras, a pauta criou um clima de insegurança que mexe com a precificação de ativos à venda pela estatal, como a Liquigás e refinarias.

No debate sobre medidas para abrir a distribuição, Oddone encontrou resistência dentro da própria diretoria da ANP. Sobre isso, ele disse ver com naturalidade o fato alguns debates levarem mais tempo, numa estrutura colegiada. “Mas isso faz parte da riqueza de termos decisões colegiadas. É um ambiente diferente para quem tem perfil de executivo como eu”.

 

Fonte: Valor Econômico - 18/03

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