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Decreto da merenda saudável proíbe baleiros nas portas de escolas em Minas

24 de Junho de 2019

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Termina nesta segunda-feira o prazo para as escolas públicas e particulares de Minas Gerais e os ambulantes que vendem guloseimas nas redondezas desses espaços se adequarem ao decreto estadual 47.557, de 2018, que prevê a eliminação dos alimentos calóricos e industrializados vendidos aos alunos.

Enquanto as unidades se articulam para cortar cerca de 30 produtos das cantinas – de frituras e embutidos a sucos de caixinha e doces –, a figura do tradicional baleiro de porta de escola pode simplesmente desaparecer.

William José de Oliveira, 60, vende guloseimas na porta do Instituto da Criança, no bairro Santa Lúcia, há 30 anos e está apreensivo. Ele conta que criou os quatro filhos com o negócio e não sabe o que vai fazer agora. Num mês considerado por ele bom de venda, “seu William”, como é chamado pelos pais e pelas crianças, chega a faturar R$ 3.000.

“Não tem fundamento proibir nosso trabalho. Você pode conversar com os pais e vai ver que eles também são contra. É só impor limite às crianças”, disse ele, que pretende trabalhar normalmente nesta segunda-feira (24).

A dentista Renata Guimarães Campos, 44, tem uma filha de 6 anos no Instituto. “A questão do baleiro não é o governo que tem que interferir. O baleiro pode ficar lá e cabe ao pai e à mãe dar ou não a bala para o seu filho”. Renata deixa sua menina comprar guloseima na banca do “seu William” uma vez por semana. “Ela escolheu a quinta-feira. Eu decido, ela respeita, pronto”.

O auditor fiscal Flávio Machado, que tem uma filha na mesma escola, aproveitou para comprar dois pirulitos enquanto falava com a reportagem. “Hoje, por exemplo, é o pai que está comprando. Essa é uma questão de limites por parte dos pais. A criança não chega e compra se a gente não deixar”, afirmou, defendendo a permanência dos baleiros.

A administradora de empresas Ayla Lima Teixeira tem um filho de 6 anos e tem opinião semelhante. "Acho que quem controla nossos filhos somos nós. Meu filho já sabe que toda sexta-feira ele pode ir no baleiro e escolher as coisinhas que ele quer e eu vou dar. Fora isso, de segunda a quinta, ele nem pede. Então eu acho que não precisa disso", afirma ela, que defende, por outro lado, as novas regras para o ambiente interno das escolas.

Na porta da Escola Estadual Governador Milton Campos, conhecida como Colégio Estadual Central, o ambulante Cícero Alves vende guloseimas há 22 anos. Preocupado com o decreto, ele conta que está em busca do apoio de algum vereador ou deputado para a categoria. Alves diz que vende para alunos, mas muitos de seus clientes são motoristas de aplicativos. O ambulante é presidente da Associação dos Comerciantes de Alimentos em Veículos (Ascave).

A entidade estima que há 3.508 vendedores, entre baleiros e foodtrucks, na porta de escolas apenas em Belo Horizonte. O cálculo foi feito levando em conta o número de instituições de ensino na capital, que somam 1.754, e a presença de dois ambulantes em cada uma, em média.

A psicóloga Tatiana Serra, 42, trabalha há um ano com o namorado Daniel Silvestrini, 41, no food-truck Expresso das Guloseimas, que há 11 anos tem seu ponto de vendas na frente do Colégio Loyola, no bairro Cidade Jardim, região Centro-Sul da capital mineira.

“Se fizermos uma estimativa de que cada uma dessas pessoas é um pai que, com a renda desses produtos, sustenta uma família, o decreto pode atingir mais ou menos 14 mil pessoas”, afirma Tatiana. Silvestrini é um dos diretores da associação.

A presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Ávila, diz que o sindicato vem trabalhando junto ao Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-MG) e a Secretaria de Estado de Saúde na orientação das escolas. No entanto, não há nenhuma recomendação para que escolas orientem os baleiros e os food-trucks.

Comerciantes se dizem confusos

Os ambulantes e comerciantes dizem não ser contra o decreto, mas que o documento ainda está muito confuso. Conforme Tatiana Serra, a insegurança em relação ao trabalho já deixou a rotina dos vendedores completamente alterada. “Existe uma tensão e uma preocupação grande de trabalhar sem saber se amanhã vamos poder continuar. Não sabemos se compramos mercadorias ou não. Muitos pais estão a nosso favor. Alguns, preocupados com baleiros antigos, estão fazendo vaquinha para tentar comprar um carrinho de pipoca para eles”, revela Tatiana.

Segundo a comerciante, no mês passado, a direção do Colégio Loyola convidou os ambulantes para uma reunião para informar dessa mudança. “Na verdade, ele nos colocou a par do decreto, mas não passou maiores informações porque nem ele tem”, disse. O colégio Loyola foi procurado, mas, por meio da sua assessoria, informou que não tinha ninguém disponível para comentar o assunto.

Proibição vale para serviço de delivery

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) explica que o decreto prevê a proibição do fornecimento e comercialização de produtos e preparações com altos teores de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal, ou com poucos nutrientes, no interior da escola, mas se estende aos vendedores ambulantes posicionados nas entradas e saídas das instituições de ensino, estabelecimentos comerciais localizados no interior das escolas, empresas fornecedoras de alimentação escolar e serviços de delivery.

“Como o serviço de food-truck é externo à escola, a definição se esse serviço se enquadra no perfil de vendedores ambulantes (caso previsto no Decreto) ou não, será determinada pelo município, de acordo com sua legislação específica”, diz a nota enviada pela assessoria de imprensa do órgão.

O Tempo - 24/06/19

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