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Disputa entre montadoras ameaça Rota 2030

18 de Outubro de 2018

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A prorrogação do Regime Automotivo do Desenvolvimento Regional do Nordeste causou uma guerra no Congresso Nacional entre duas gigantes do setor, a Fiat Chrysler Automobiles (FCA), com fábrica em Goiana (PE), e a Ford, com unidades em Camaçari (BA) e Horizonte (CE), e ameaça aprovação da medida provisória (MP) do Rota 2030, novo programa de incentivo do setor automotivo elaborado pelo governo Temer para substituir o Inovar-Auto, que foi condenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Ambas fazem lobby para prolongar o incentivo a investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos no Nordeste, que acabará em 31 de dezembro de 2020, mas discordam nos termos dessa prorrogação, conforme antecipou ontem o Valor PRO serviço de tempo real do Valor. As empresas ameaçam, segundo os parlamentares, abandonar as unidades na região e transferir a produção para Betim, caso da Fiat, e São Paulo, da Ford.

O impasse fez a bancada da Bahia impedir a votação da MP ontem em uma comissão do Congresso e adiar para terça-feira a leitura do parecer do deputado Alfredo Kaefer (PP-PE) - que nem apareceu na reunião. O presidente da comissão, senador Eduardo Amorim (PSDB-SE), avisou que a Câmara mandou ofício dizendo que só aceitará a votação até quinta-feira porque o texto ainda precisará passar pela Câmara e Senado até 16 de novembro ou perderá a validade, derrubando todo o Rota 2030.

A disputa entre as duas montadoras ocorre porque o Ministério da Fazenda não quer mais prorrogar o incentivo para a indústria do Nordeste, criado em 1997 e que o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE) propôs, em emenda defendida pela Ford e pela bancada baiana, prolongar por cinco anos com as mesmas regras de hoje, que permitem usar os créditos para abater todos os impostos federais.

A Fazenda só aceitou - após reunião da bancada nordestina com o presidente Michel Temer - que a prorrogação ocorra com a redução no valor dos benefícios fiscais. O modelo, proposto em emenda do senador Armando Monteiro (PTB-PE) reduzirá em quase 50% os créditos gerados por investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e desagradou a Ford por mudar as regras para uso do benefício.

A emenda de Monteiro também prorroga o programa até 2025, mas limita os créditos ao valor do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) devido e só permite que sejam usados para compensar os gastos que a empresa teria com IPI. Restringe, ainda, o abatimento apenas às unidades do Nordeste - os créditos, portanto, não podem ser usados para diminuir os custos das fábricas delas no Sudeste.

A Fiat (FCA) tem uma fábrica da Jeep em Pernambuco que produz os "SUVs" Compass, Renegade e Fiat Toro, de maior potência e valor de venda, que pagam mais IPI (em torno de 25%), o que permitirá a empresa ganhar mais créditos e ter maior margem para usá-los.

Já a Ford fabrica na Bahia veículos de menor potência, o Ford Ka e o Ecosport, que pagam menos IPI (cerca de 8%), o que limitará o valor dos créditos gerados e também seu desconto. Além disso, a empresa tem uma fábrica de peças na região, o que diminui ainda mais o IPI por causa de outros créditos cumulativos.

Outra fábrica da Ford, que produz um jipe da Troller que concorre com os veículos da Fiat montados no Nordeste, não seria prejudicada diretamente porque poderia se beneficiar do IPI mais alto. Há ainda um problema que afetaria ambas as unidades da Ford: as emendas apresentadas condicionam a geração de créditos a partir de 2021 ao desenvolvimento de novos produtos e isso não está no horizonte da empresa - a elaboração de um novo modelo demora entre três e cinco anos, segundo fontes.

Nos bastidores, a Ford tem se queixado a parlamentares da Bahia que ficará em posição de desvantagem em relação a uma de suas principais concorrentes se a emenda aprovada for a de Monteiro. "Há uma reclamação de que a empresa sairá no prejuízo e pode perder mercado e até transferir a produção para São Paulo", afirmou o deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA). Procurada pelo Valor, a companhia não se manifestou.

A Fiat disse, por meio de sua assessoria, que não há nenhuma divergência com a concorrente e que as duas emendas atendem seu objetivo, que é garantir previsibilidade para realizar os investimentos de R$ 7,5 bilhões previstos na região até 2023. A empresa alegou, aos parlamentares, que sua meta é a continuidade dos incentivos e que a Fazenda já se mostrou contrária à prorrogação nos moldes que de hoje. Por isso, diz, a melhor saída é a emenda de Monteiro.

Segundo o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, a Fazenda não aceitou a emenda do seu filho por causa do impacto fiscal mais alto e a negociação é para que Kaefer faça uma versão híbrida que permita a Temer vetar a compensação de todos os impostos e sancionar apenas a do IPI e aí discutir a derrubada do veto. "Se insistirem em um texto só, o presidente vai vetar. Não terá prorrogação nenhuma", disse.

Parlamentares questionaram que poderiam derrubar todo o veto, mas Coelho alertou: "Esse veto só será discutido pelo próximo Congresso, provavelmente com um presidente [Jair Bolsonaro] que defende o fim de todos os incentivos". A bancada da Bahia, contudo, diz que é melhor votar a MP sem emenda nenhuma. "Melhor os três Estados brigando juntos pela prorrogação no ano que vem do que nós isolados", disse o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).

Entre aliados do governo, a impressão é que a Fazenda tem dado pouca margem para negociações porque, na realidade, nem é muito favorável ao Rota 2030 e não veria prejuízo em ver a MP perder a validade.

Valor Econômico - 18/10/18

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