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Doce Equilíbrio: Parado não dá para ficar

15 de Setembro de 2017

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Que o sedentarismo faz mal para a saúde não é uma novidade para praticamente mais ninguém, mas um novo estudo indica que, além do tempo total de inatividade, a forma como ele se acumula ao longo do dia — se em pequenos períodos entrecortados ou longos estirões sem fazer nada — pode alterar significativamente o risco de morte de uma pessoa independente de outros fatores como idade, gênero, etnia, sobrepeso ou obesidade e até se costuma praticar exercícios.

Diante disso, os pesquisadores sugerem que se movimentar a cada 30 minutos, nem que seja minimamente, como levantar para pegar um copo d’água, pode ajudar a mitigar ao menos um pouco os efeitos negativos do sedentarismo.

Tendemos a pensar no comportamento sedentário como simplesmente a quantidade de tempo que ficamos parados sem fazer nada todos os dias — justifica Keith Diaz, pesquisador do Departamento de Medicina do Centro Médico da Universidade Columbia, em Nova York, e líder do estudo, publicado ontem no periódico científico “Annals of Internal Medicine”.

 Mas estudos anteriores já sugeriam que os padrões de sedentarismo, como por exemplo se um indivíduo acumula seu tempo sedentário em períodos curtos ou longos, podiam também ter impacto em sua saúde.

Assim, no novo estudo, os cientistas analisaram dados de quase oito mil americanos, negros e brancos, de ambos os sexos e com mais de 45 anos participantes de um amplo levantamento, ainda em curso, sobre fatores de risco para derrames nos EUA, intitulado Regards (sigla em inglês para “razões para as diferenças regionais e raciais em derrames”, numa tradução livre).

Mas à diferença de quase todas outras pesquisas sobre o sedentarismo e suas consequências feitas até agora, em que as informações sobre as atividades físicas diárias são provenientes de relatos dos próprios voluntários, e por isso mais sujeitas e erros, todos os participantes do Regards que tiveram os dados analisados neste estudo usaram um acelerômetro — aparelho que mede a aceleração e vibração, usado para detectar sua movimentação — durante pelo menos quatro dias, por mais de dez horas diárias, fornecendo uma rara medida objetiva dos seus níveis de atividade.

Os cientistas dividiram estes quase oito mil voluntários em quatro grupos de acordo com dois parâmetros básicos: tempo total de comportamento sedentário ao longo do dia e duração média dos períodos de inatividade.

Disto resultaram também quatro grupos gerais: pessoas menos sedentárias que acumulavam o tempo paradas em períodos curtos; pessoas menos sedentárias que acumulavam o tempo paradas em períodos mais longos; pessoas mais sedentárias que acumulavam o tempo paradas em períodos curtos; e pessoas mais sedentárias que acumulavam o tempo paradas em períodos mais longos.

Todos os participantes também foram acompanhados por pelo menos mais quatro anos após usarem o acelerômetro, ao fim dos quais 340 haviam morrido de qualquer causa. Cruzando esta informação com a classificação dos grupos e usando diversas ferramentas estatísticas para excluir outros fatores de risco, os cientistas verificaram que as pessoas mais sedentárias que acumulavam o tempo paradas em períodos mais longos tinham mais do dobro do risco de morrer do que as do grupo de referência, as menos sedentárias que acumulavam o tempo paradas em períodos curtos.

Além disso, eles observaram que os participantes incluídos no subgrupo de períodos mais curtos de sedentarismo, menos de 30 minutos, apresentavam um risco menor de morte no geral, daí a recomendação de fazer intervalos para se movimentar a cada meia hora.

Se você tem um emprego ou estilo de vida em que fica sentado por prolongados períodos de tempo, sugerimos que faça um intervalo para se mexer a cada meia hora — conclui Diaz. — Esta é uma mudança comportamental que pode reduzir seu risco de morrer, embora ainda não saibamos precisamente o quanto de atividade seria o melhor para isso.

Consultados pelo GLOBO, especialistas afirmaram que o novo estudo vem se somar às evidências de que o sedentarismo é hoje um dos principais fatores de risco para a saúde da população mundial, ao lado de tabagismo, obesidade e estresse, com o diferencial de indicar que, além do tempo total parado, deve-se avaliar como este sedentarismo se dá.

E que, diante disso, é preciso implementar com urgência políticas de saúde pública de combate ao sedentarismo, nos moldes das campanhas contra o fumo e iniciativas alimentares como a redução dos teores de sódio, açúcar e gorduras em produtos alimentícios, por exemplo.

Só desde a década de 1980 deixamos de fazer de 60% a 70% dos movimentos que fazíamos todos os dias — lembra o preparador físico Marcio Atalla. — O ser humano sempre se movimentou por necessidade, mas agora vivemos uma época em que pela primeira vez não é preciso se mexer muito para sobreviver e nosso corpo não está preparado para passar tanto tempo parado.

Segundo Atalla, dados dos últimos dez anos mostram que aumentou o consumo de frutas, legumes e verduras dos brasileiros, ao mesmo tempo em que diminuiu a ingestão de refrigerantes, sal e alimentos mais gordurosos. Ainda assim, aponta, as taxas de sobrepeso e obesidade subiram 70% no período no país.

Isso mostra que, se as políticas de saúde pública não passarem pelo combate ao sedentarismo, esta conta não vai fechar — destaca. — Não digo que a alimentação não é importante, mas precisamos tornar a movimentação mais natural. Antes as pessoas se mexiam mais sem pensar, e o ideal é que elas voltem a fazer isso.

Opinião parecida tem o cardiologista Claudio Gil Araújo, diretor de pesquisas da Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex), que elogiou a robustez e sofisticação da análise estatística feita pelo estudo, já que, não por acaso, os grupos de pessoas mais sedentárias também concentravam as com outros fatores importantes de risco de morte, como obesidade, tabagismo e pouca adesão à prática de exercícios.

Este estudo comprova que nossa máquina foi feita para estar fisicamente ativa, que temos que estar sempre fazendo alguma coisa — diz. — As pessoas precisam reincorporar os hábitos de nossos antepassados. Afinal, os seres humanos viveram muitos milhares de anos sem carro, controle remoto, computador e celular.

(Fonte: O Globo – 15/09/17)

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