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Doria colocará biodiversidade sob comando da Agricultura

11 de Março de 2019

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A exemplo do governo Bolsonaro, o governador João Doria (PSDB) deve passar para a Secretaria da Agricultura atribuições que antes eram da pasta ambiental —agora, fundida com as secretarias de Infraestrutura e de Recursos Hídricos.

A principal mudança deve ser a transferência da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais (CBRN), responsável pela implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Representantes das duas secretarias adiantaram a mudança no fim de fevereiro, em evento na Sociedade Rural Brasileira cuja gravação foi obtida pela Folha. A medida ainda deve ser confirmada oficialmente como parte de um amplo decreto que reorganiza as atribuições das secretarias estaduais, previsto para os próximos dias.

Atual subsecretário de Meio Ambiente, Eduardo Trani disse no evento que “a mudança, em vias de ser anunciada, fundamentalmente trata apenas da relocalização de competências para a Secretaria da Agricultura em relação à implementação do CAR.”

Ele também anuncia que a questão “está pacificada, não há perdas” e que as duas pastas continuarão trabalhando “em sintonia, como nos últimos anos”. 

Também presente no evento, José Luiz Fontes, assessor técnico ligado ao secretário da Agricultura, defende a isenção do trabalho —que deverá ser comandado por ele, segundo funcionários que acompanharam a negociação.

“O CAR continuará sendo executado pelo Governo do Estado de São Paulo. As homologações serão feitas por funcionários públicos, seguindo a mesma legislação que rege o sistema”, diz Fontes.

Assim como aconteceu no governo federal, em que o Serviço Florestal Brasileiro foi integralmente transferido para o Ministério da Agricultura, em São Paulo a CBRN deve ter a maior parte da sua estrutura e dos funcionários transferida para a Secretaria da Agricultura e Abastecimento.

As exceções seriam a conservação da fauna e as atividades de fiscalização, que continuam com a pasta ambiental, segundo fontes ligadas à diretoria da subsecretaria.

No entanto, a CBRN também é responsável por outras funções regulamentadoras do agronegócio. O órgão tem sido responsável por criar parâmetros para certificação ambiental da produção rural.

A transferência dessa atribuição preocupa servidores e o agronegócio exportador. Dois representantes de produtores contaram à Folha que veem riscos para a credibilidade da produção paulista.

Entre os compromissos firmados entre setores da produção agrícola e o governo estadual estão a redução das áreas autorizadas para queima da cana-de-açúcar, redução do consumo de água e proteção de nascentes.

Eles compõem o certificado de qualidade ambiental Etanol Mais Verde, apontado por representantes do setor como um elemento importante na estratégia de exportação do setor da cana-de-açúcar.

Em carta aberta publicada no fim de fevereiro, associações de servidores e especialistas em meio ambiente defendem que “um certificado emitido somente pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento não terá o mesmo peso e confiança no mercado. O novo governo pretende extinguir exatamente o que vem sendo elogiado pela sociedade e setores produtivos, que é o trabalho de parceria intersecretarias.”

Ainda segundo a carta, “o desmembramento da CBRN do restante do sistema ambiental representa o descumprimento da Política Estadual do Meio Ambiente”.

Servidores ouvidos pela Folha também reclamam da falta de transparência na reorganização das secretarias e defendem que especialistas sejam consultados sobre os possíveis impactos das mudanças.

Para três técnicos da subsecretaria ambiental consultados, o comando do órgão pela Secretaria de Agricultura, que prioriza a produção agrícola, impediria a criação de estratégias para a biodiversidade —algo que só seria prioridade para a pasta ambiental.

Eles explicam que o território paulista não tem mais áreas naturais relevantes para a criação de parques e unidades de conservação. Portanto, com a predominância de propriedades rurais no estado, a regularização ambiental prevista no CAR seria essencial para implementar estratégias de conservação da biodiversidade.

O CAR foi criado na revisão do Código Florestal em 2012 para verificar e fazer a regularização ambiental dos imóveis rurais, obrigados a manter 20% de vegetação nativa nas suas terras como parte da Reserva Legal, além de respeitar limites das Áreas de Preservação Permanente (APP), como margens de rios e topos de morros.

No estado de São Paulo, a regularização ambiental prevista no CAR está impugnada pela Justiça desde 2016, quando o Ministério Público moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei estadual 15.684/15, que regulamenta no estado o programa de regularização ambiental previsto no Código Florestal.

Para o MP, a lei é inconstitucional por ser menos rígida que a lei federal, permitindo, por exemplo, um prazo de 20 anos para a recuperação das áreas de cerrado.

Folha de São Paulo - 11/03/2019

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