Notícias

Em dez anos, população de menor renda migra para o carro e mais ricos adotam metrô na Grande São Paulo

03 de Julho de 2019

Notícias

Em uma década, as pessoas de mais baixa renda da região metropolitana de São Paulo passaram a andar mais de carro e moto em suas viagens diárias, enquanto as de renda mais alta estão usando mais o metrô. Entre famílias de rendimento mensal médio entre R$ 2 mil e R$ 3,8 mil, as viagens feitas de carro tiveram um crescimento de 82% entre 2007 e 2017 e as de moto, de 77%. Já entre aquelas com renda média mensal superior a R$ 11,4 mil, o total de viagens feitas de carro caiu 49%, enquanto o uso do metrô subiu 5,7%.

Os dados são da Pesquisa Origem Destino, do Metrô, e refletem nas ruas, segundo especialistas, uma década de políticas descoordenadas dos governos municipal, estadual e federal, que terminaram por massificar o uso de meios de transporte individuais - tidos como as principais causas de congestionamentos, acidentes e poluição - e reduzir o uso do ônibus.

A pesquisa é resultado de 156 mil entrevistas feitas com o objetivo de mapear o comportamento das viagens na região metropolitana e que fazem também um detalhado retrato da situação socioeconômica dos 39 municípios que formam a área. O estudo é repetido uma vez a cada dez anos desde 1967. Uma das conclusões é que a região empobreceu. Após anos de estagnação e crise econômica, a renda média mensal das famílias da Grande São Paulo é de R$ 3.607, 11,5% menor do que há dez anos (R$ 4.075, em valores corrigidos).

Olhando para o transporte, mesmo na crise, o número de viagens aumentou 10,3% (de 38 milhões para 42 milhões por dia), proporção maior do que o crescimento da população (6,9%, de 19,5 milhões para 20,8 milhões de pessoas). Mas essa alta varia de acordo com o meio de transporte e a faixa de renda, e considera uma série de fatores, como a redução do trabalho formal e o aumento, de 4% para 12%, da proporção de trabalhos que não têm um local fixo.

A pesquisa aponta que, no período, houve aumento de 3,3% no número de empregos na Grande São Paulo (de 9 milhões para 9,4 milhões de vagas). A comparação com a década passada mostra uma manutenção da dinâmica que já era presente na região: a concentração dos postos de trabalho no centro expandido, a região entre os Rios Tietê e Pinheiros e as Avenidas dos Bandeirantes e do Estado. Nesta” ilha“ no centro da Região Metropolitana estão 64,1% das vagas. Houve uma pequena oscilação em relação à pesquisa anterior, quando esse pedaço central mantinha 65,4% dos postos. Uma consequência direta foi a manutenção do centro como destino majoritário das viagens a trabalho.

“De um lado, você teve um abandono nos investimentos para os ônibus, sem obras para novos corredores, e uma política de reajuste das tarifas (acima da inflação) por parte da Prefeitura. De outro, houve uma política de facilitar a aquisição de carros (feita pelo governo federal). E o investimento em metrô (feito pelo Estado) foi em uma região que já era rica, o que facilitou o acesso da população de maior renda”, afirma o geógrafo Rafael Calabria, pesquisador de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O investimento em metrô que ele cita é a Linha 4-Amarela, que liga o centro à zona oeste da capital cruzando bairros como Higienópolis, Jardins e Pinheiros.

Segundo Calabria, criou-se um cenário que acentuou as desigualdades: enquanto uma parcela da população mais pobre, moradora dos bairros mais afastados, teve acesso ao primeiro carro na década passada (houve aumento de 42% no número de famílias com automóvel em casa, de 2,1 milhões para 3 milhões de lares), as pessoas de maior renda estão em um momento posterior ao carro, um cotidiano mais próximo do de países desenvolvidos.

Para os moradores de Pinheiros, o novo ramal de metrô serviu para deixar a cidade mais acessível. Moradora do bairro há 15 anos, a professora de Mídias Sociais Márcia Marques, de 60 anos, incorporou os trilhos à rotina e usa a linha para ir ao trabalho e também para o lazer. “Aos fins de semana, vou no cinema, na Paulista, de metrô”, conta. Dez anos atrás, ela tinha outro emprego e usava o carro para trabalhar. “Sempre fui defensora do transporte público, usava ônibus. Da minha rua, é só subir um pouco para chegar no ponto.” Ainda antes de a Estação Fradique Coutinho, a mais perto dela, ser aberta, a professora já usava a Linha 4, para onde ia de ônibus, para se deslocar pela cidade.

Enquanto o crescimento do número de viagens motorizadas, na região metropolitana como um todo, foi de 12,4%, as viagens feitas de metrô com destino aos bairros ao redor da linha subiram de 276 mil para 413 mil por dia (54%). A Linha 4-Amarela, entretanto, está longe de ser benéfica só para os bairros centrais. Ela facilitou conexões entre as demais linhas de metrô e dos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O uso dos trilhos cresce também nas faixas de renda mais baixas.

Fonte: Estadão – 3/7

Veja também