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Estabilidade dos servidores precisa ser revista, diz Zema

21 de Novembro de 2018

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Com as finanças em crise, Minas Gerais não terá alternativa senão aderir ao programa federal de recuperação fiscal, como já fez o Rio de Janeiro. É o que pretende fazer o governador eleito Romeu Zema (Novo), 54 anos.

Ele diz que o Estado terá de aceitar uma série de medidas duras, mas que não vê outra saída. Minas opera com déficit orçamentário desde 2015, e a previsão do atual governador, Fernando Pimentel (PT), é que o rombo em 2019 seja de R$ 11,4 bilhões. Os salários dos servidores têm sido pagos em até três parcelas e muitas vezes em atraso, e prefeituras deixaram de receber repasses do Estado. Para ajudar a equacionar a crise, Zema também quer mudanças nas regras do serviço público de modo a facilitar a demissão de servidores.

Sócio e principal executivo durante muitos anos do grupo Zema (de distribuição de combustível e venda de eletrodomésticos), o governador eleito assumirá em janeiro o cargo que já foi ocupado por Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. Ainda não anunciou nenhum nome para seu secretariado. Essa será sua primeira experiência na administração pública e a primeira participação do Novo em um governo.

Divorciado, pai de dois filhos, Zema é de Araxá (362 km da capital mineira) e ainda não escolheu um imóvel para morar em Belo Horizonte. Diz que terá de ser perto da sede do governo para não gastar muita gasolina. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Valor: O que o senhor pretende pedir à União para tentar tirar Minas Gerais da crise financeira?

Romeu Zema: Nós já temos a lei do regime de recuperação fiscal dos Estados, que já teve adesão do Rio de Janeiro e tem o Rio Grande do Sul em estágio avançado. Em Minas, nós começamos agora as conversas com o Ministério da Fazenda para poder viabilizar, porque não há outro caminho a não ser esse. O atual governador deveria ter feito isso já há algum tempo. A situação só se agravou e ele veio fazendo uso de vários artifícios, que têm tempo e limites também. Se todo mês gasta mais do que ganha, você não está resolvendo seu problema ao vender o carro da sua mulher e os móveis de sua casa. É o que foi feito aqui em Minas.

 

Valor: Sua decisão, então, é aderir ao programa de recuperação?

Zema: Não há outra forma. Isso de certa maneira vai deixar o Estado, vamos dizer, submetido a uma série de medidas que não seriam confortáveis, mas não há alternativa.

 

Valor: No caso do Rio, uma das exigências feitas pelo governo federal e que causou muita polêmica foi a privatização da empresa de água e esgoto. Ao aderir ao programa, seu governo aceitaria privatizar o quê?

Zema: O governo federal - e esse ponto não está claro ainda - exige privatização. Agora, não sabemos de que nem como. Isso vai ser conversado, porque este ponto ainda não está claro. Privatizar tudo? Talvez não. A Gasmig  [estatal de distribuição de gás] é suficiente? Não sabemos. Então, isso vai ter realmente de ser analisado. Esse é um ponto que não está muito claro, mas o programa exige que se privatize alguma coisa.

Valor: Quais outros pontos do programa de recuperação o sr. classifica como não muito confortáveis?

Zema: A proibição de que o efetivo do Estado se amplie. O Estado vai ficar proibido de fazer concursos por um tempo expressivo. Só poderemos substituir quem sai. O programa proíbe também aumentos reais de salário, só permite a reposição da inflação. Há outros pontos.

 

Valor: Além de aderir ao programa, o sr. pretende fazer uma reforma da Previdência estadual, que, segundo o atual governador, é a principal fonte de desequilíbrio das contas de Minas?

Zema: Essa questão da Previdência com toda certeza vai ser tratada em nível federal, porque é uma unanimidade entre os governadores e tem apoio do próprio presidente eleito. É necessária. Não é uma bomba-relógio, é uma bomba que já explodiu e que vai explodir com potência cada vez maior.

 

Valor: O sr. pretende propor uma reforma da Previdência estadual ou aguardar a reforma federal?

Zema: Eu não sei se as medidas do plano de recuperação fiscal contemplarão alguma coisa nesse caso. Nem sei se isso pode ser feito de forma estadual [sem uma reforma nacional]. Isso também vai ser analisado.

 

Valor: A renegociação da dívida de R$ 85 bilhões que Minas tem com a União também faz parte do plano de recuperação fiscal?

Zema: Faz. Durante três anos o Estado fica com pagamento de juros suspenso e, se não me engano, pode ser prorrogado por mais três. Hoje, acho que o Estado paga cerca de R$ 6 bilhões por ano de juros.

 

Valor: Sobre gastos com a folha de pagamentos, há alguma medida em relação a altos salários do Judiciário e também do Legislativo?

Zema: Eles têm, de forma independente, o direito a um percentual do Orçamento. O que vamos fazer é enxugar o máximo que pudermos no Executivo e solicitar a esses outros poderes que contribuam de alguma forma com essa economia. Acho que todos temos de ter ciência deste momento de dificuldade. Agora, nunca impor. Porque eu não tenho poder de ingerência sobre os outros poderes.

 

Valor: Qual importância terá para sua gestão a discussão sobre tornar mais fácil a demissão de servidores públicos, como forma de ajudar a reduzir gastos com a folha?

Zema: Eu vejo que é necessário. Não estou falando que tem que rever totalmente [a estabilidade], mas é necessário acordar para a realidade, porque algumas pessoas que passaram em concurso público falam: "eu estou aqui agora com bilhete de vida garantida até a morte, independente de eu ralar muito ou pouco". Então é necessário ter critérios mais meritocráticos, mais justos. Vamos deixar claro: a maioria dos servidores é boa, mas muitos deixam a desejar e ficam sendo um ônus para a sociedade eternamente. Então, eu sou favorável a rever, que haja algum critério que torne [mais flexível] essa questão [da estabilidade], que parece ser tão arraigada. Pessoas da área do direito já me falaram que em diversos países, principalmente os desenvolvidos, não existe essa figura do direito adquirido. O Brasil é um dos raros lugares em que existe isso. Se a situação mudou, você tem de rever. Se o direito adquirido fosse algo tão monolítico assim, os sucessores de proprietários de escravos teriam [escravos] até hoje. Eu vejo que é necessário rever direito adquirido dentro da realidade da sociedade.

 

Valor: Isso vale para essa questão da estabilidade do servidor?

Zema: É, eu estou dizendo que é preciso ter critérios justos, porque a última coisa que eu gostaria era que houvesse perseguição política vinda de um gestor novo que poderá falar: "aqueles ali são de tal partido?" [e então demiti-los]. São necessários critérios bem discutidos, bem analisados, justos, mas que flexibilizem um pouco essa questão de alguém falar "olha eu tenho aqui a minha admissão no setor público, estou com a minha vida garantida para sempre". Seria necessário rever e ter alguns critérios que deixassem a pessoa ciente de que ela tem que ter um desempenho mínimo no setor público.

 

Valor: Isso poderia ser alterado no âmbito do Estado ou teria de ser uma mudança federal?

Zema: Federal. Está na Constituição.

 

Valor: O sr. já teve alguma conversa sobre esse tema com a equipe de Jair Bolsonaro?

Zema: Não. Isso foi mencionado na reunião dos governadores [com o Bolsonaro] porque é um problema geral tanto da União quanto dos Estados. Parece que uma das formas de ganhar votos tem sido fazer concursos públicos. Você contrata hoje e deixa a conta para eternidade.

 

Valor: Reajustes e benefícios que fazem parte de diversas carreiras de Estado, e que são encarados muitas vezes como direito adquirido, também deveriam ser revistos?

Zema: Uma telefonista, por exemplo, que trabalha no tribunal, na Assembleia Legislativa ou comigo, todas deveriam ter salários semelhantes. Talvez no setor público tivesse alguma coisa a mais, 20% a mais. Mas o que nós sabemos é que o setor público, de modo geral, paga 60% a mais do que o setor privado. Então tem uma distorção. Eu sei que tem carreiras em que é difícil a comparação: o salário de um juiz, por exemplo. Não tem juiz no setor privado, mas os salários poderiam ser comparados com outros Estados ou com cargos que demandam conhecimento semelhante. Quanto aos benefícios, o setor público, principalmente em algumas categorias, foi pródigo em criá-los. E, em um país que tem um déficit de R$ 160 bilhões e um Estado [Minas Gerais] que vai ter um déficit de R$ 12 bilhões, é uma questão a se pesar até que ponto isso [esse quadro de benefícios] é ou não viável nessa situação.

 

Valor: Além do plano de recuperação fiscal do governo federal, sua administração espera contar com outras medidas do futuro governo Bolsonaro para recuperar as contas de Minas Gerais?

Zema: O Bolsonaro já deixou claro, e nós estamos muito animados, com relação a medidas para facilitar o desenvolvimento. Hoje a burocracia é um entrave tanto na área tributária quanto nas áreas ambiental e sanitária. Outro ponto que vai ajudar é uma redução de despesas como nunca foi feita em Minas. O governador hoje tem várias aeronaves a sua disposição. Nós vamos acabar com isso. Se for necessário, vamos manter o essencial e alugar aviões, o que fica muito mais em conta. E isso é a ponta do iceberg. O setor público sempre operou na zona de conforto e as coisas geralmente tendem a ficar meio que estáveis. Nós vamos correr atrás disso. Lembrando que vou ter um secretariado totalmente profissional.

 

Valor: Quem vai ser o seu secretário da Fazenda?

Zema: Nós vamos divulgar brevemente, mas ainda não estamos com o nome escolhido.

 

Valor: O Gustavo Franco realmente não aceitou?

Zema: Ele tem a consultoria dele, já foi presidente do Banco Central e esse seria um desafio bem menor.

 

Valor: Todos os secretários serão selecionados por empresas de recrutamento e seleção?

Zema: Sim. Eles vão passar por essas empresas. Nos casos em que não temos o nome, [vamos recorrer a essas empresas] para ver as indicações. Nos casos, em que nós já consideramos nome que são bons, que já vieram da área, teremos ainda um aval dessas empresas. Temos um grupo que tem se reunido semanalmente e avaliado os nomes com muito critério.

 

Valor: Eles vão ficar mesmo sem salário?

Zema: Nós assinamos esse compromisso. Lembrando que o salário de um secretário de Estado é de R$ 7 mil. Então ninguém vai ficar sem um valor expressivo. E, se ele já vier da carreira pública, o que vai acontecer é que ele já tem o salário. Vai ficar sem esse plus até o Estado estar em dia com os pagamentos do funcionalismo.

 

Valor: Sobre as estatais: o sr. vai mudar presidentes, presidentes do conselho e diretores da Cemig, da Gasmig e da Copasa?

Zema: Vamos avaliar. Não temos ainda uma decisão, mas são empresas que, tudo indica, tiveram interferência política gigantesca, o que deixa essas pessoas que estão lá longe de estarem fazendo o que nós queremos. Não sabemos ainda se isso [essa alegada interferência] foi pressão do governador ou se foi equipada de propósito pelo próprio dirigente que está lá hoje. Mas isso está sendo analisado. E não é porque veio da gestão anterior que está descartado. Nós estamos avaliando tecnicamente.

Valor: Seu plano é privatizar essas empresas?

Zema: Vamos lembrar que o valor dessas empresas hoje não resolve de forma alguma o déficit do Estado. A participação de Minas na Cemig vale R$ 2 bilhões, e esse valor equivale ao déficit de Minas em dois meses. Precisaríamos vender seis Cemigs por ano para resolver o problema de caixa em Minas Gerais sem adotar nenhuma medida de ajuste. Então, primeiro, vender essas empresas hoje não resolve; segundo, elas estão subavaliadas. Eu quero que com uma gestão profissional sem interferência política o valor dessas empresas suba expressivamente. Aí nós vamos querer realmente ver essa questão da privatização.

 

Valor: Quando isso será realmente avaliado?

Zema: Devido à urgência de outras medidas, essa questão de privatizá-las está em suspenso. Não vamos verificar isso em um ou dois anos de forma alguma. Isso vai ser coisa para o final do governo, até porque no caso de uma Cemig depende de aprovação por dois terços da Assembleia Legislativa ou por um referendo. Então é algo que vai demandar esforço. Primeiro vamos melhorar, para vender com um preço lá em cima, caso venha a ser necessário vender.

 

Valor: A Cemig hoje é praticamente a única empresa de energia em Minas. O sr. tem defendido que o ideal - antes de eventual privatização - seria que a empresa passasse a ter concorrentes...

Zema: A Cemig está numa situação complicada. Várias empresas que ela comprou, entre elas Belo Monte, Light têm problemas seríssimos de caixa. Se vierem outras empresas para fornecer energia, serão bem-vindas. Eu sei de reclamações de empresas [consumidoras de energia] que gostariam de se instalar em Minas e o impedimento nesse caso tem sido fornecimento de energia elétrica. A Cemig diz que pode começar a fornecer só depois de dois anos. Energia tinha que ser igual a telefone: você ter várias opções. Hoje você quer construir um condomínio, uma indústria e a Cemig é um dos fatores que dificultam os investimentos. Como vendedora monopolista, ela tinha de chegar e tratar você da melhor forma.

 

Valor: A imagem do Novo no país depende, em boa medida, de seu sucesso ou insucesso como governador de Minas?

Zema: É lógico. Esse é o primeiro cargo executivo do Novo. Pressionado eu sempre fui. Vai dirigir uma empresa de varejo para ver o que é. Estou acostumado com pressão. Esse é mais um desafio. Talvez um pouco diferente maior. E o Novo está muito envolvido. O diretório nacional e o estadual estão contribuindo bastante na escolha de secretariado e contribuindo com ideias. Estão trazendo especialistas como o Gustavo Franco, que tem vindo aqui regularmente e está nos assessorando nessa renegociação que vai ter que ser feita com Ministério da Fazenda. Estamos nos cercando das melhores pessoas possíveis.

 

Valor: Se der tudo certo em seu governo, o sr. será o candidato natural à reeleição?

Zema: Não vou te falar nem sim nem não. Eu ainda nem pulei na piscina, como é que eu vou falar se a água é boa? Às vezes eu vou passar para o Paulo Brant [vice-governador eleito] antes que ele imagina.

 

Valor: O que o sr. espera em relação ao governo Bolsonaro?

Zema: Eu sou otimista. Bolsonaro é uma pessoa que vem do meio militar, tem uma posição de disciplina, uma posição de clareza, não é de ficar em cima do muro e não faz muito aquele perfil dos políticos antigos. Também está desimpedido em relação a indicar nomes para o governo, o que é bom. Não vai lotear cargos. Ele está selecionando bons nomes até o momento e tem tudo para ser uma ótima gestão. Mas lembrando que os desafios tanto do Brasil quanto de Minas são muito grandes. Uma coisa é você assumir um navio de cruzeiro e outra coisa é assumir o Titanic que está afundando. Tanto o Brasil quanto Minas estão um pouco nessa situação. Mas eu vejo com otimismo o governo dele.

 

Valor Econômico – 21/11/18

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