Hidrogênio verde: A lei alemã para certificação de combustíveis não biológicos

*Bruno Galvão e Ana Carolina Vidal**

O hidrogênio verde e outros combustíveis renováveis de origem não biológica (RFNBO, na sigla em inglês) ocupam papel de destaque no debate político e econômico na Alemanha e na União Europeia de maneira geral, como meios concretos para viabilizar a transição energética e mitigar as mudanças climáticas. Especificamente no setor da aviação, o combustível sustentável de aviação (eSAF, na sigla em inglês) se apresenta como uma solução para a descarbonização do setor.

Nesse contexto, a União Europeia (UE) e seus países membros preveem um aporte significativo de recursos nos próximos anos para financiar projetos ligados aos RFNBO, o que abre uma janela de oportunidade para empresas no mundo todo explorarem vantagens competitivas nessa indústria nascente.

Para aqueles que pretendem se posicionar estrategicamente, é crucial estar atento aos desenvolvimentos regulatórios que irão moldar o futuro mercado do RFNBO como um todo e, em especial o de hidrogênio verde em escala global.

Em março de 2024, o Parlamento alemão revisou o ato normativo sobre a compensação de combustíveis derivados de eletricidade e óleos biogênicos no tocante às cotas de emissão de gases de efeito estufa, em consonância com a implementação da lei federal de controle de emissões (BImSchV). Essa revisão concretizou em nível nacional a estrutura legal estabelecida pelas regulamentações da UE.

A regulamentação europeia teve seus primeiros passos em 2018, com a Diretiva 2018/2001 ou como é mais comumente conhecida RED (em inglês, Renewable Energy Directive) relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis.

Esse marco foi atualizado pela terceira vez com a edição do RED III, em 20 de novembro de 2023, e complementado com os Regulamentos Delegado 2023/1184, que determina regras aplicáveis à produção de RFNBOs para os transportes, bem como o Regulamento Delegado 2023/1185, que especifica a metodologia de cálculo das reduções de emissões decorrentes do uso de RFNBOs para os transportes.

Embora estes atos delegados sejam focados nas aplicações de transportes, eles são considerados referências importantes para a regulamentação do hidrogênio verde de forma geral.

Para um combustível ser qualificado como RFNBO nos termos da legislação da Alemanha e da UE, a eletricidade usada para sua eletrólise deve ser proveniente de fontes de energia renováveis. O Regulamento Delegado (UE) 2023/1184 diferencia a eletricidade obtida de uma instalação diretamente conectada a uma usina local (“ligação direta”) da eletricidade obtida da rede (em inglês, “on grid”).

A opção de ligação direta, não integrada, requer a existência de uma usina local de geração de eletricidade renovável. A eletricidade utilizada na produção deve ser proveniente da instalação local, e não da rede elétrica convencional. Além disso, é necessário que a usina elétrica fornecedora entre em operação em um prazo de até 36 meses antes ou depois da instalação da planta de produção de RFNBOs. Essa medida visa garantir que o aumento na produção promova nova capacidade instalada de eletricidade renovável, que não comprometa a capacidade já existente.

A opção por utilizar eletricidade proveniente da rede elétrica também tem condicionantes no tocante à fonte de eletricidade retirada da rede. Por exemplo, a eletricidade será considerada totalmente renovável se o local de produção de hidrogênio estiver situado em uma zona em que a representatividade de eletricidade renovável ultrapasse 90%, ou, alternativamente, se a intensidade das emissões para produção de eletricidade for inferior a 18 gCO2(e)/MJ, entre outros critérios.

A certificação é crucial, sendo exigida como prova da neutralidade climática em mecanismos de compensação ou controle de emissões. Com a revisão do BImSchV, foi estabelecido um sistema para verificar a conformidade com os requisitos relativos à produção e ao fornecimento de RFNBOs. Fornecedores e distribuidores devem apresentar evidências da origem dos RFBO ao longo de toda a cadeia de produção e fornecimento, utilizando um “sistema de contagem em massa”. Isso exigirá a participação de todos os elos da cadeia de produção.

Para os produtores no Brasil que aspiram ingressar no mercado alemão e europeu de RFNBOs e se beneficiar dos instrumentos de fomento em plena expansão (por exemplo: licitações públicas, linhas de financiamento dedicadas e subvenções), é importante compreender o arcabouço regulatório da União Europeia e de seus estados membros, já que tais regras se aplicam também para produtos produzidos fora da Europa, mas que abastecem o mercado europeu.

O alinhamento do processo produtivo a esses critérios tem impacto sobre decisões de produção desde o planejamento, como a seleção do local da planta industrial, até aspectos pertinentes à implementação do processo produtivo e transporte da produção.

Nesse contexto, cada etapa do processo produtivo deve ser meticulosamente considerada sob a ótica regulatória, com vistas a assegurar as vantagens que decorrem do fato de estar conformidade, tais quais obter as certificações necessárias e estar apto a participar de leilões europeus de importação como os capitaneados pelo mecanismo alemão H2Global e seus lotes de e-metanol e e-SAF.

Ao fazê-lo, os produtores garantem não apenas o acesso aos mercados na Europa, mas também otimizam o retorno de seus investimentos, fortalecendo sua posição competitiva global.

* Bruno Galvão é conselheiro especial do Blomstein, especializado em regulatório ESG e comércio exterior

** Ana Carolina Vidal é associada no Blomstein, especializada na área concorrencial

Fonte: Jota via Nova Cana – 22/04/2024