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Indústria de Minas viverá transformação após pandemia

01 de Julho de 2020

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Empresário do setor têxtil, Flávio Roscoe Nogueira assumiu a presidência da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) em maio de 2018, em plena greve dos caminhoneiros, a maior já ocorrida no Brasil.

O presidente da entidade ainda enfrentou à frente do setor produtivo mineiro o maior desastre com barragens de mineração da história recente, ocorrido na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em janeiro do ano passado.

Este ano também começou difícil, embora o dirigente tenha encerrado 2019 com boas perspectivas para a indústria nacional e a mineira em 2020. No entanto, em janeiro, as chuvas vieram em volume recorde e causaram grandes danos a diversas regiões de Minas Gerais.

E agora o Covid-19, que, mesmo o Estado sendo destaque no cenário nacional em função dos índices que indicam um maior controle da doença, parece cada vez mais se aproximar do ápice e causa perdas irreparáveis também à economia.

Porém, o balanço do industrial, que está há dois anos à frente da Federação, é positivo. Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, Roscoe, que no discurso de posse falou sobre a importância das reformas estruturais e citou a melhoria no ambiente de negócios como um dos grandes desafios da gestão, destacou a atuação ativa da Fiemg nestas pautas e avaliou os impactos da pandemia como oportunidade para a recuperação da força da indústria nacional e a menor dependência de mercados estrangeiros, como o chinês.

Qual o principal impacto da pandemia para a indústria mineira?
O impacto é devastador. Aquelas empresas que não estavam bem não vão sobreviver; outras, que estavam com situação razoável, mas com ritmo lento de produção ou com atuação em segmentos mais afetados, também terão dificuldades; e há ainda aquelas que pertencem a setores que serão praticamente dizimados, porque tiveram a atuação completamente suspensa. Trata-se da capacidade de resiliência de cada negócio.

A indústria, especificamente, está um pouco mais preservada nesta crise, graças à dinâmica do setor. Aquelas atividades que dependem do comércio físico estão sendo mais impactadas, mas não tanto quanto a parte de prestação de serviços, como turismo e eventos, que realmente estão mais prejudicados.

A limitação do funcionamento do comércio nas cidades mineiras prejudica o setor?
Felizmente, em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) teve sensibilidade e decretou a essencialidade do setor, permitindo a manutenção dos segmentos que abastecem o comércio. Foi uma decisão acertada e que fez com que a crise fosse menor do que seria num primeiro momento. Sem contar que viver sem a indústria é impossível, pois estamos falando de coisas essenciais como água, energia e tantos outros produtos.

Na mineração, por exemplo, sem cal não tem água tratada; sem minério não há adubo; sem plástico não tem embalagem; sem a indústria alimentícia não há o que vender nos supermercados; e sem combustível não se chega a lugar nenhum. O setor industrial é muito relevante e, de fato, essencial para nossa sobrevivência.

E no caso de Belo Horizonte, onde a prefeitura adotou um plano próprio e a flexibilização foi suspensa nos últimos dias?
Desde o início falamos que estava havendo excesso. A prova maior foi agora com esse recuo, pois já ficamos 100 dias fechados e o momento certo de fechar seria agora. Ou seja, esta política está decretando a morte de segmentos econômicos inteiros. Estamos há 100 dias fechados de maneira indevida.

Na avaliação da Fiemg, o que seria correto?
Sempre defendemos e apoiamos os trabalhos de infraestrutura, seja por meio da construção de hospitais, produção de respiradores, máscaras e produtos de higiene, como álcool em gel. Em termos de estrutura, doamos para o Estado praticamente três hospitais: o Mater Dei Betim-Contagem, boa parte do Hospital de Campanha montado no Expominas e a ampliação dos leitos no Instituto Mário Penna.

Além disso, vamos doar 1.500 respiradores, que só aguardam a aprovação da Anvisa. Estamos fazendo um amplo trabalho e acreditamos que era necessário ampla testagem (compramos 300 mil testes), uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento social. O lockdown apenas para o grupo de risco. Vamos pagar pelos erros dos nossos governantes.

Vai levar muito tempo para a economia se recuperar?
Não tem uma fórmula. Vai depender de cada setor. Cada segmento está sofrendo de uma maneira e vai ter um tempo de recuperação distinto. Alguns vão recuperar em meses, outros estão crescendo até mesmo durante a crise, e outros levarão décadas para se recompor.

O setor industrial passará por mudanças profundas no período pós-pandemia?
A indústria vai, invariavelmente, começar a acessar diretamente o consumidor, pelos mecanismos digitais. Acredito que esta será a grande transformação deixada pela pandemia. Claro que nem todo segmento industrial poderá fazer isso, como uma fábrica de aço, por exemplo.

Mas aqueles que produzem itens acabados tendem a acessar o consumidor de maneira direta. E as próprias indústrias que fabricam produtos intermediários também vão ter uma maior presença digital. É uma mudança que veio para ficar.

Há muitos anos se fala sobre a desindustrialização brasileira. Há reversão?
Este é um processo que ocorre em função do custo Brasil e que vem se aprofundando nos últimos anos. Mas eu acho que a pandemia pode ser, justamente, o ponto de virada, pois as pessoas viram o quão prejudicial é depender do estrangeiro e a importância da visão estratégica da produção local.

Se não tivéssemos indústrias que se reverteram para produzir respiradores, remédios, máscaras e álcool em gel a situação seria ainda pior. Estamos nos virando com o que temos. O pouco que chegou de produtos importados veio a preço de ouro e com problema. Precisamos valorizar a produção local. O que estamos vivendo alerta, mais uma vez, para o fato de que o País não pode penalizar quem produz aqui. É hora de resgatar o valor e a importância da nossa indústria.

E também de depender menos da China?
Sim e não apenas o Brasil. Esse assunto foi trazido à tona pela crise imposta pela pandemia e vai estar na geopolítica daqui para frente, pois vários países viram que estavam encalacrados pelo gigante asiático e sem opção. A indústria brasileira ainda tinha um tecido relativamente robusto, por isso conseguiu reagir a muitos desafios colocados.

Como você vê a necessidade de diversificação econômica de Minas Gerais e qual a contribuição da Fiemg para o assunto?
A diversificação econômica é vital. A Fiemg investe pesado em ciência e tecnologia e programas que integrem indústrias a startups, culminando em um amplo planejamento tecnológico para o Estado. Acreditamos que a tecnologia é o caminho para agregar valor e desenvolver novos segmentos e com isso, diversificar a matriz econômica mineira.

Estudo da Fundação João Pinheiro aponta que os investimentos de US$ 900 milhões anunciados para Minas serão voltados apenas para ampliação e modernização de empreendimentos. Por que o Estado não atrai novos projetos?
Isso está relacionado ao ambiente de negócios e temos trabalhado em parceria o com governo do Estado em vistas a melhorar essa atratividade. De fato, é muito complexo, mas o governador tem feito um grande esforço e tem conseguido bons resultados. Inclusive, é um dos desafios da nossa gestão. Fizemos um trabalho nos últimos anos na área ambiental, por exemplo, buscando uma maior eficiência por parte do Estado, e já foi feita toda a digitalização dos processos. Temos conseguido avançar.

Quais as principais ações de sua gestão na Fiemg?
Logo que chegamos reestruturamos a casa com o objetivo de aumentar a produtividade e os atendimentos prestados à sociedade, visando a geração de resultados. No aspecto interno, procuramos aumentar a prestação de serviços, reduzir os custos e estruturas. Alcançamos êxito, construímos resultados operacionais sólidos e aumentamos os volumes de prestação de serviço para a sociedade.

Ou seja, estamos fazendo mais com menos. Do ponto de vista externo, aumentamos as ações de defesas de interesse da indústria, criamos áreas para melhorar o atendimento e fortalecemos a interlocução com os governos e os legislativos. Também trabalhamos em defesa dos interesses da sociedade.

E os principais desafios?
Foram dois anos bastante desafiadores. Assumimos com greve dos caminhoneiros, depois tivemos o acidente de Brumadinho, enchentes no início deste ano e agora a pandemia. Ainda enfrentamos o corte do Sistema S, que nos impactou muito. Mas sempre defendendo a indústria e colocando a Fiemg mais próxima da sociedade. Ainda assim, neste período conseguimos aumentar nossa representatividade, o número de associados e o volume de prestação de serviços.

A Fiemg tem adotado cada vez mais iniciativas em prol de toda a sociedade. É uma mudança de postura da entidade?
É uma mudança bastante proativa. E é claro que o apoio que a gente recebe dos industriais vem da credibilidade da instituição. Destaco aqui o ativismo dos industriais nos últimos meses, porque eles também estão em crise e, ainda assim, estão ajudando a sociedade. Temos, conseguido, de fato, ganhos para a sociedade em geral.

Fizemos a defesa da Medida Provisória 936, que em tese impede o desemprego, pela junção de esforços do Estado, da empresa e do trabalhador. Uma iniciativa que defendemos junto ao Congresso e ao governo e que já salvou mais de 9 milhões de empregos em todo o País e que vai possibilitar uma retomada mais fácil da economia.

Há outros exemplos?
Temos várias ações repercutindo, inclusive, nacionalmente. A Fiemg foi a primeira a apoiar a reforma da Previdência, fazendo campanha, expondo o nome da entidade, investindo recursos e capital político. Temos defendido todas as medidas que afetem diretamente ou não o setor industrial, porque são de interesse da sociedade. E a Fiemg também não tem medo de se posicionar. Essa é outra característica marcante da nossa gestão. Nos posicionamos antes e, em alguns momentos, somos até incompreendidos. Mas depois as pessoas percebem que era o melhor caminho.

Foi o caso na greve dos caminhoneiros, em que fomos os primeiros a alertar para o desabastecimento do País; depois com a barragem da Vale em Brumadinho, em que nos solidarizamos com as vítimas, mas também nos preocupamos com a demonização do setor, que é uma atividade fundamental para o Estado. E agora a mesma coisa na pandemia. Não nos importamos em defender que não se trata de uma questão de economia versus saúde, porque cabe a nós, como liderança, assumir o ônus e não falar apenas o que querem ouvir, mas aquilo que entendemos como certo.

 

Fonte: Diário do Comércio – 01/07

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