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Migração energética para renováveis terá impactos geopolíticos

16 de Janeiro de 2018

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A transformação energética que as energias renováveis estão promovendo no mundo terá implicações geopolíticas. A queda de custos, o aumento nos investimentos e a expansão da capacidade instalada colocam essas fontes no centro do sistema energético global, mas a mudança tem potencial de criar novas tensões.

Nas últimas décadas, as análises de assuntos energéticos tiveram como foco os combustíveis convencionais, basicamente petróleo e gás. O que é novo são os efeitos positivos e negativos da transição energética, isto, é, avaliar quais serão os impactos e as regiões vulneráveis, o potencial de riscos, as forças de mercado que podem causar instabilidades, a mudança nos padrões de consumo e as ameaças cibernéticas. Na outra ponta, os benefícios podem ser a redução das emissões de gases estufa, o acesso à energia para comunidades pobres e a cooperação transfonteiriça, entre outros pontos.

"Estamos vindo de um mundo de oleodutos em que a energia está concentrada num pequeno grupo de fornecedores e com as tensões econômicas que surgem desse quadro", diz Adnan Amin, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês), entidade que promove energias renováveis e é referência global no setor.

"Mas vemos o sistema energético do passado sendo rapidamente transportado para um cenário novo, com um modelo descentralizado impulsionado pela tecnologia e redução de custos. A evolução desse processo criará oportunidades e desafios que temos de observar com atenção, além de refletir sobre suas implicações geopolíticas e antecipar o que virá", segue Amin.

Partiu da direção da Irena a iniciativa de criar uma comissão global, lançada em Abu Dhabi, durante a 8ª assembleia dos países-membros da entidade, para avaliar a geopolítica da transformação energética. O grupo, presidido por Ólafur Grímsson, ex-presidente da Islândia, é apoiado pelos governos da Alemanha, Noruega e Emirados Árabes Unidos (EAU). A intenção é apresentar um relatório em 2019.

"A transformação energética está vindo, queiramos ou não, emoldurada por um futuro de baixo carbono", resumiu Maria van der Hoeven, ex-diretora-executiva da Agência Internacional de Energia.

"O futuro é elétrico e cada vez mais digitalizado", sintetizou Hans-Olav Ibrekk, diretor de políticas de Energia e Clima do Ministério das Relações Exteriores da Noruega. Isso significa redes elétricas (com milhares de pontos de recarga para carros), venda de energia entre países, menor dependência energética de uns alguns (o que pode reduzir conflitos), necessidade de boa governança para gerenciar o suprimento e consumo de usuários individuais, enfraquecimento do controle energético dos governos, e por aí vai.

Ibrekk apresentou alguns pontos de um grupo de trabalho que junta pesquisadores e governos, "mas não necessariamente reflete as visões da Noruega", país que explora ao mesmo tempo petróleo e investe em renováveis. Quais serão as companhias que irão controlar as novas cadeias de suprimentos? As tradicionais empresas de energia, ao lado de empresas de tecnologia, como Google e Microsoft? Haverá bilhões de consumidores-produtores, os chamados "prosumers" [o consumidor que produz energia em casa]? Existirá uma "maldição dos recursos naturais", uma combinação entre boa concentração de recursos com instituições fracas para gerenciar as receitas? Quais as consequências sociais e políticas para os países produtores de petróleo? Questões como estas surgiram na apresentação de Ibrekk em Abu Dhabi.

Em junho pesquisadores da Harvard Kennedy School of Government, Columbia Center on Global Energy Policy e do Norwegian Institute of International Affairs lançaram o estudo "The Geopolitcs of Renewable Energy". O trabalho serviu de base e usou informações de um workshop sobre o tema organizado pela Irena e o Ministério de Relações Exteriores da Noruega em Berlim, em março.

Os pesquisadores detalham vários mecanismos pelos quais as renováveis "podem moldar a geopolítica". Nas cadeias de suprimentos, por exemplo, poderia haver a formação de cartéis de metais de terras raras. Embora existam em vários lugares do mundo, grande parte da mineração global, produção e processamento desses elementos ocorre na China.

Na América do Sul, países detentores de reservas de cobalto e lítio, como Chile, Argentina e Bolívia, podem ter ganhos econômicos expressivos com a demanda por baterias para carros elétricos.

Outra dúvida que a comissão da Irena tentará analisar é como a expansão das energias renováveis transformará o modelo de negócios do setor de energia. Será algo centralizado em empresas fortes em inovação ou um sistema descentralizado, com produtores e consumidores individuais de energia? Ou a combinação de ambos?

"Esta é uma narrativa de oportunidades e desafios", disse Peter Fischer, vice-diretor geral de Energia e Política Climática do Ministério de Relações Exteriores alemão. Ele lembrou que países africanos podem se tornar grandes produtores e consumidores de energia. "No meio diplomático sempre enxergamos a mudança do clima como fator de risco", disse. "No setor de renováveis, a transição que vem ocorrendo é similar".

Fonte: Valor Econômico - 16/01/2018

 

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