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País deve limpar matriz energética a partir do transporte, defende instituto

20 de Julho de 2018

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Limpar a matriz energética mundial com maior participação das energias renováveis é a mais importante estratégia global de descarbonização da economia. Mas no Brasil, com perfil de geração hidrelétrica, o debate adequado deveria ser diminuir a dependência ao petróleo e discutir um projeto de logística limpo e de longo prazo. Aqui, quando o foco é energia, o vilão da mudança climática são os transportes.

"Discutimos muito eletricidade e clima, mas esta é uma agenda mais internacional e tem menos importância para nós", diz André Luis Ferreira, diretor presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). "No Brasil, transporte é chave neste debate".

O Iema, com sede em São Paulo, tem 12 anos, é conhecido por estudos e dados sobre energia e transporte, e atua no apoio à formulação de políticas públicas.

No Brasil, é sabido, o desmatamento é a maior fonte de emissões de gases-estufa. Mas se a lupa recai sobre a matriz energética, os transportes respondem por 42% das emissões de CO2 e a geração de eletricidade contribui com apenas 13%.

Se no Brasil o carvão mineral responde por 14% das emissões (fatia que sobe para 46% no mundo), a dependência do petróleo é evidente - 70% das emissões em comparação com 34% no mundo. "Nosso grande desafio é como sair da dependência ao petróleo", continua Ferreira.

Segundo dados de 2016, as emissões de CO2 da matriz energética foram 424 milhões de toneladas, sendo que transportes responderam por 204 milhões de toneladas de CO

Quando se faz um zoom no setor de transportes, o de cargas e o de passageiros dividem a responsabilidade sobre as emissões. Aqui, de novo, o foco do debate, na opinião de Ferreira, recai apenas sobre o transporte de passageiros. "Há um problema grande na logística que é pouco discutido".

As análises dos técnicos do Iema modelam origem e destino das cargas, quais mercadorias, quais os mercados consumidores, quanto segue para o exterior. E também as modalidades de transporte.

"É importante que a sociedade brasileira discuta a logística de transportes do país, com visão de longo prazo. Não há um projeto de Estado de logística no Brasil e não pode ser apenas de governos ou projetos", continua. "Com logística tem que se ter visão de longo prazo, de 30 anos, 40 anos. Não se muda uma matriz de transporte de cargas em três ou quatro anos, mas em décadas", continua. O Brasil deveria ter um plano com horizonte para 2050, defende.

Nesta questão, os gargalos que aparecem estão sempre concentrados no escoamento da produção de grãos, que é real, mas não é o único nó. Caminhões respondem por 59% do transporte de grãos. Mas estes 59% são apenas 6% de tudo o que é transportado por rodovia no Brasil.

Ele critica a forma como os projetos e modais de transporte tomam forma no Brasil. "Tem que ser mais do que um amontoado de projetos", diz ele. "A história do Brasil neste campo é puxada por projetos que nascem do interesse do setor privado, o que é legítimo, mas não pode ser só assim. O problema é não existir visão de Estado, de interesse público. O futuro não pode ser construído só pelo mercado."

Trata-se de um mosaico complexo e de muitas variantes. "Somos reféns dos caminhões", diz. De fato, 70% da carga geral no Brasil é produzida nas regiões Sul e Sudeste e, ao mesmo tempo, as duas regiões são o grande destino das cargas (60%), fatia que sobe para 75% se se considerar o que é exportado pelos portos do Sul e Sudeste.

Estas cargas percorrem distâncias curtas, nestas duas regiões. A dinâmica reduz o potencial de se ter ferrovias no Sul e Sudeste, que têm viabilidade econômica em distâncias mais longas.

"O que se espera é que o caminhão tenha menos relevância, no futuro, do que tem hoje", diz. "Mas mesmo com investimento, não se pode ter a ilusão que o caminhão deixará de ser importante para transportar cargas no Brasil."

Fonte: Valor Econômico – 20/07/2018

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