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Para driblar Trump, Europa planeja tratar Acordo de Paris com empresas

05 de Junho de 2017

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Ao anunciar a retirada dos EUA do Acordo de Paris, o presidente americano, Donald Trump, sugeriu que o tratado climático pudesse ser renegociado incluindo propostas menos ambiciosas.

A União Europeia, no entanto, recusou essa perspectiva durante a sexta-feira (2), ao insistir em que o acordo é definitivo e que, na ausência americana, irá lidar diretamente com empresários e governadores para implementar os objetivos do texto.

Um dos comentários mais contundentes do dia foi feito pelo comissário europeu para a ação climática, o espanhol Miguel Arias Cañete.

"A luta contra a mudança climática não pode depender do resultado das eleições em um país ou em outro. Quando uma nação assina um tratado internacional, precisa cumprir com suas obrigações", afirmou Cañete.

"Tenho certeza de que o presidente Trump não leu os artigos deste acordo. Não há nada para ser renegociado."

Membros de alto escalão da burocracia europeia em Bruxelas, ouvidos pela agência de notícias Reuters, sugeriram que vão debater com as grandes empresas americanas para cumprir com as metas do Acordo de Paris.

Empresas como Facebook, Apple, Ford e Microsoft criticaram a decisão de Trump, em demonstração de seu isolamento nacional e global.

Governos europeus também discordaram publicamente dessa medida, entre eles o alemão e o francês.

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse que Trump "não pode e não vai impedir todos aqueles entre nós que se sentem obrigados a proteger o seu planeta".

A França, por sua vez, afirmou que vai redobrar seus esforços para limitar as emissões de carbono.

A declaração foi feita pelo ambientalista francês Nicolas Hulot, que assumiu em maio o Ministério do Ambiente. "[O acordo] não está morto. Pelo contrário. A França, em vez de reduzir suas ambições, vai revisá-las para cima e incentivar diversos outros países", disse Hulot. Paris foi, afinal, o cenário da assinatura do acordo em dezembro de 2015 por 195 partes.

O presidente francês, Emmanuel Macron, já havia reagido na véspera de maneira dura ao anúncio de Trump em uma mensagem gravada em inglês, dizendo que o governo americano cometera "um erro para os interesses de seu país, seu povo e o futuro do planeta".

"Não cometam um erro com o clima. Não há plano B porque não há planeta B", disse Macron, que circulou uma campanha nas redes sociais com o lema "Make Our Planet Great Again", ou "torne nosso planeta grande outra vez" –referência à campanha de Trump, "Make America Great Again".

Decisão política

Na sexta, após encontro com o chanceler brasileiro Aloysio Nunes em Washington, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson –ex-CEO da gigante do petróleo Exxon Mobil e uma das forças que tentava evitar a saída do tratado–, disse que foi uma "decisão política" e que os EUA já têm "excelentes" números de redução de emissões. "Não acho que vamos mudar os nossos esforços para reduzir as emissões de gases do efeito estufa no futuro."

No encontro, Nunes evitou repetir as críticas à decisão divulgadas pelo governo brasileiro na véspera.

A reunião entre os dois teve como foco, segundo o ministro brasileiro, enxugar a agenda bilateral em uma lista de dez pontos que os dois lados querem ver resolvidos de forma mais rápida.

"Nós lamentamos. Nesse Acordo de Paris, a presença dos EUA é muito importante", disse Aloysio a jornalistas depois da reunião.

Na quinta, após o anúncio feito por Trump, o governo brasileiro disse ter recebido "com profunda preocupação e decepção" a mudança.

A intenção de Donald Trump de sair do Acordo de Paris pode se concretizar somente em 2020, já que, até lá, por força do próprio acordo, ninguém sai.

O único documento necessário para a exclusão é uma carta, mas ela só pode ser enviada a partir de 4 de novembro de 2019 –três anos após a ratificação do acordo.

Os EUA só poderão efetivamente sair do acordo um ano depois do pedido –ou seja, em 4 de novembro de 2020, um dia após a próxima eleição presidencial americana.

A saída do acordo por decisão apenas do presidente pode acontecer por causa da maneira com que o documento do Acordo de Paris foi redigido –desenhado justamente para evitar o Senado americano.

Chamar o documento de "acordo" e não de "tratado" ou de "protocolo", por exemplo, é um dos aspectos desse design. Outra artimanha do acordo foi a de obrigar os países a elaborar suas metas climáticas, mas não a, de fato, implementá-las.

Desse modo, outro método para provocar a saída do Acordo de Paris é submeter o acordo ao escrutínio do Senado americano, que poderia decidir se o ex-presidente Barack Obama ultrapassou suas atribuições ou não ao assinar o documento.

O último e mais agressivo movimento para se livrar dos compromissos climáticos, diz Márcio Astrani, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, seria a saída da Convenção-Quadro da ONU para Mudanças Climáticas. "Seria uma coisa extremamente radical, porque ele ficaria de fora de toda e qualquer discussão sobre o clima". O processo levaria um ano.

Pesquisas

Carlos Nobre, pesquisador da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, diz que a saída dos EUA tem um efeito mais simbólico.

"As emissões americanas vão continuar a serem reduzidas. Não na mesma velocidade que poderiam ser. Não é uma coisa que está na mão única e exclusivamente do presidente dos EUA passando ordens executivas."

Isso porque os Estados americanos, por exemplo, podem decidir continuar na perseguição de reduzir a emissão de gases causadores do efeito-estufa.

Segundo o pesquisador, deve haver nos EUA uma diminuição nos investimentos na pesquisa para baratear o custo de energias renováveis. Para Astrani, "a decisão dele não mata o acordo e nem vai conseguir ressuscitar uma retomada do carvão ou de outros fósseis".

"China, Japão, Europa e não vão perder essa oportunidade de assumir esse enorme vácuo que os EUA estão deixando com relação a tecnologias limpas", diz Nobre.

Não é a primeira vez que os EUA dão o cano em um acordo climático. O protocolo de Kyoto foi assinado mas não foi ratificado pelo país, o segundo maior emissor mundial de gases-estufa.

Entenda a história

O que é?

A negociação começou em 1992, com 197 partes signatárias da convenção do clima da ONU. O texto tinha princípios gerais para a luta internacional contra os impactos da mudança climática

Cinco anos depois, a convenção foi regulamentada pelo Protocolo de Kyoto, que trazia objetivos impostos aos países. Os EUA nunca o ratificaram

23 anos depois, o Acordo de Paris foi aprovado na COP21 e assinado por 195 partes, obrigando pela primeira vez todos os signatários a adotar medidas de combate à mudança climática. Quando entrou em vigor?

O acordo entrou em vigor quase um ano depois, após ter sido ratificado por pelo menos 55 países que representam 55% das emissões mundiais de gases-estufa –incluindo EUA e China. O Protocolo de Kyoto, levou 8 anos para ter o mesmo status

O que foi acordado?

Teto do aumento da temperatura média global em menos de 2°C, preferencialmente abaixo de 1,5°C

Piso de US$ 100 bilhões anuais a ser transferido de países ricos aos mais pobres até 2025, para custear ações de combate à poluição

A cada 5 anos, deve haver um balanço das metas nacionais

Cada país deve ter sua própria meta de reduções. Elas, porém, não são obrigatórias –exigência dos EUA e de outros países

O que significa a saída dos EUA?

Graças a uma cláusula no acordo, Trump não poderá pedir a saída do acordo à ONU até 4 de novembro de 2019. Mais um ano será necessário até que o país abandone o acordo

De todo modo, ele poderá enfraquecer os objetivos de redução de emissões sem ter que abandonar o acordo de fato; sua administração já adotou medidas para desmantelar os planos ambientais de Barack Obama

O compromisso dos EUA, assumido por Obama, era de reduzir de 26% a 28% as emissões até 2025

(Folha de São Paulo -  03/06/17)

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