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Passado e futuro do marco regulatório do petróleo

30 de Novembro de 2021

Artigos

Por Décio Oddone

Extraído do EPBR, 29/11 

Este capítulo trata do impacto do marco regulatório adotado no setor do petróleo após o advento do pré-sal. Começa com um resumo da evolução da exploração de petróleo no Brasil, a partir dos anos 1930.

Passa pela primeira descoberta, pela fundação da Petrobras, pela quebra do monopólio, pela descoberta do pré-sal e suas consequências, pela crise de 2014 e chega à retomada, iniciada em 2016.

Analisa os resultados das políticas adotadas a partir de 2007 e conclui, com sugestões de como melhorar a atratividade dos investimentos no país em um momento no qual, com a aceleração da transição para uma economia de baixo carbono, as disputas por investimentos entre os países vão se acirrar.

Do início ao monopólio

Na década de 1930, um amplo debate público influenciou o papel do Estado na indústria do petróleo na América Latina.

Na Argentina, havia sido criada a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF). A Bolívia que, após a Guerra do Chaco com o Paraguai, havia nacionalizado as áreas de operação da Standard Oil, em 1936, também fundou a sua estatal do petróleo, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). O presidente Lázaro Cárdenas nacionalizou as atividades de petróleo no México em 1938, criando a Petróleos Mexicanos (Pemex).

Esses movimentos estimularam aqui a criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), em 1938. O abastecimento de petróleo foi declarado de utilidade pública. As atividades de refino foram nacionalizadas.

Posteriormente, o CNP passou a ser responsável pelas operações estatais de exploração, produção e industrialização do petróleo.

O Conselho autorizou a continuação da exploração que um grupo privado conduzia em Lobato, na Bahia, onde, em janeiro de 1939, foi achado petróleo. A descoberta, no entanto, não encontrou quantidades comerciais.

Em junho de 1939, o CNP assumiu os trabalhos de exploração e declarou ilegais as atividades desenvolvidas por companhias privadas. Com o mundo em guerra, a ameaça de desabastecimento se tornara real.

A indústria do petróleo se converteu em prioridade nacional. O poço de Candeias, em 26 de novembro de 1941, deu início à produção de petróleo no Brasil. Novos campos foram descobertos. Pequenas refinarias experimentais foram implantadas em Candeias e Aratu, ambas na Bahia.

Em 1947, voltou à discussão a política do petróleo e surgiu a campanha O Petróleo É Nosso, lema oriundo do movimento estudantil.

Em dezembro de 1951, Getúlio Vargas, que também ocupara a Presidência à época da fundação do CNP e da descoberta de Candeias, enviou ao Congresso o Projeto 1.516, que criava a Petróleo Brasileiro S.A. Segundo a proposição original, não haveria monopólio. O Estado teria 51% das ações da nova empresa.

Em junho de 1952, o deputado Bilac Pinto apresentou uma emenda na qual propunha estabelecer a Empresa Nacional de Petróleo (Enape), que teria o monopólio estatal.  A polêmica prosseguiu até que, em 3 de outubro de 1953, o presidente Vargas assinou o projeto de lei que criava a Petrobras e estabelecia o monopólio estatal do petróleo. As operações do CNP passaram à nova empresa.

Surpreendentemente, a companhia contratou o geólogo norte-americano Walter Link, um ex-empregado da Standard Oil, para chefiar seu Departamento de Exploração. Os esforços foram concentrados na Amazônia.

Em março de 1955, houve descoberta de petróleo em Nova Olinda (AM), que se demonstrou subcomercial. Logo a insatisfação com os parcos resultados começou a converter-se em frustração.

Link era pessimista em relação à presença de petróleo na maioria das bacias brasileiras. Suas ideias, resumidas no chamado Relatório Link, não estavam erradas. Questionavam a existência de grandes depósitos de petróleo em terra no Brasil, uma das crenças dos setores nacionalistas. Caíram como uma bomba na opinião pública.

Os debates alcançaram a Câmara de Deputados. O novo governo, de Jânio Quadros, trocou o comando da empresa. Em março de 1961, a diretoria da Petrobras encomendou a dois técnicos brasileiros uma reavaliação das conclusões de Link.

Esse trabalho recomendou a continuidade da exploração em algumas bacias. Surgiram descobertas importantes no Nordeste e estudos no mar. Em 1968, aconteceu a primeira descoberta marítima, Guaricema, em Sergipe. Era o início da saga que iria transformar a história do petróleo no país e a economia brasileira.

A bacia de Campos veio em seguida, mas, no final dos anos 1970, a produção da Petrobras não chegava a 200 mil barris por dia. Antes das descobertas em Campos, a companhia havia concentrado recursos na construção de refinarias.

Para explorar petróleo no exterior, criou a Petrobras Internacional S.A. (Braspetro). Em 1974, foram autorizados contratos de risco, através dos quais empresas estrangeiras podiam explorar petróleo no Brasil. Não produziram bons resultados.

Os contratos de risco, no entanto, junto com a incursão internacional, tiveram um papel fundamental no preparo da estatal para o fim do monopólio e a competição por blocos para exploração, consequências da Lei do Petróleo, de 1997.

A atuação no exterior trouxe um grande sucesso: a descoberta do campo gigante de Majnoon-Najhum, no Iraque, a maior da década de 1970 no mundo.

Após uma complexa negociação, a área foi nacionalizada, ficando a Petrobras responsável pela operação, mas a guerra Irã-Iraque fez com que a empresa abandonasse a região.

O acordo permitiu ao Brasil acesso a petróleo em condições favoráveis durante a segunda crise e ao mercado de bens e serviços do Iraque.

Em 1984, a produção nacional havia alcançado 500 mil barris por dia. Estava se iniciando a exploração em águas profundas, que, com as descobertas de campos como Albacora e Marlim, permitiu que a extração chegasse a 1 milhão de barris, em 1997.

Apesar desses resultados, os anos 1980 foram difíceis. O Brasil enfrentou crises e, por duas vezes, interrompeu o pagamento da dívida externa. A década de 1990 marcou a regularização da relação com os mercados internacionais. Durante aquele período, a maior parte dos recursos disponíveis era direcionada à produção na bacia de Campos.

A partir das descobertas em Campos, a Petrobras decidiu comprar e operar mais sondas. Quando os preços do petróleo colapsaram, em 1986, os afretamentos também despencaram.

Plataformas que custavam US$ 120 mil por dia passaram a ser alugadas por menos de US$ 30 mil. Como não havia orçamento para a perfuração de muitos poços no Brasil, as sondas próprias ficaram sem trabalho. Com equipamentos ociosos, a companhia passou a prestar serviços de perfuração a outras empresas no exterior.

Ainda nos anos 1990, o gás natural começou a ganhar importância no planejamento energético brasileiro.

A Petrobras assinou contratos para construção do gasoduto Bolívia-Brasil e exploração de gás na Bolívia. A descoberta dos campos gigantes de San Alberto e Sábalo representou o maior sucesso no exterior desde Majnoon.

Então, a empresa desenvolveu a sua primeira subsidiária integrada no exterior, com refinarias e postos. No entanto, em 2006, em evento de grande repercussão, ela viria a ser objeto de medidas nacionalistas por parte do governo boliviano.

Os contratos de produção foram renegociados, os postos perderam a marca da companhia e as refinarias foram revendidas para a Bolívia.

A quebra do monopólio

Em 1997, a Lei 9.478 determinou o fim do monopólio, estabeleceu a criação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e da Agência Nacional do Petróleo (ANP), definindo novas regras que autorizavam a realização de leilões de áreas para exploração de petróleo e gás em que a Petrobras competiria em igualdade de condições.

Igualdade relativa, pois a posição de incumbente dava à companhia o privilégio de dispor do conhecimento geológico das bacias brasileiras, razão pela qual outras empresas disputavam a posição de parceira da estatal.

A partir de 1999, a Petrobras passou por um processo de modernização. Vendeu ações na Bolsa americana. As rodadas de licitação atraíam interesse. Em sociedade com outras empresas, a estatal começou a adquirir blocos exploratórios nos leilões da Agência.

Houve um “boom” nas atividades de exploração e produção no Brasil.

Em 2002, os preços dos combustíveis foram liberados. A expansão internacional continuou.

Naquele mesmo ano, a companhia adquiriu a Perez Companc, segundo maior grupo econômico argentino, que tinha sofrido com a crise do final de 2001. Criou a Petrobras Energia S.A. (Pesa), empresa com capital aberto nas Bolsas de Buenos Aires e Nova York e operações em vários países da América Latina. Ativos de exploração foram comprados nos EUA e na África.

Entretanto, a venda dos campos maduros do Nordeste, que permitiriam que fossem explorados por empresas especializadas, não progrediram.

Também não avançou a ideia de fazer parcerias no refino ou vender refinarias, o que aumentaria a competitividade e diminuiria o risco de intervenção nos preços.

Apenas uma troca que envolveu ativos na Argentina e 30% da refinaria de Canoas foi avante, em 2001, mas não houve sucesso. A Petrobras acabaria recomprando a participação na refinaria em 2009.

Esses movimentos teriam possibilitado que a empresa concentrasse investimentos nos seus negócios mais lucrativos de exploração de petróleo em águas profundas.

A Petrobras se modernizava e se tornava competitiva após ter sido exposta a forças de mercado. Em 2003, contudo, um novo governo assumiu. A interferência estatal sobre a companhia voltou a aumentar gradativamente.

Medidas que estimulavam a meritocracia, como regras para nomeação de dirigentes e bônus de desempenho a executivos, foram revogadas. A economia, estimulada pelo ciclo de commodities, se recuperava.

O aumento dos juros e do superavit primário começou a dar resultados. A inflação caiu, o dólar baixou e o crescimento voltou. Iniciou-se a discussão do estabelecimento de uma meta de deficit zero, que traria para baixo a dívida pública, abrindo caminho para um crescimento sustentável. A ideia não foi adiante. Era o princípio da gestação dos problemas que afligiriam a economia brasileira anos depois. Complementada pela implantação da Nova Matriz Econômica e das novas políticas para o setor de petróleo.

O pré-sal

Há anos se especulava sobre a possibilidade de existir petróleo em uma sequência de rochas sedimentares localizadas abaixo de uma espessa camada de sal em águas profundas nas bacias de Campos e Santos (área demarcada na Figura 1).

A partir de 2000, a Petrobras, em conjunto com outras empresas, começou a adquirir blocos na região, inclusive áreas que haviam estado em mãos de companhias estrangeiras na época dos contratos de risco, o chamado pré-sal.

Em 2005, surgiram indícios de volumes significativos de petróleo no bloco BMS-11, posteriormente chamado de Tupi. As primeiras descobertas mostraram reservatórios de alta produtividade, grandes estruturas e petróleo de boa qualidade, indicando que o pré-sal seria uma das principais fronteiras exploratórias no mundo.

Abriu-se uma série de oportunidades, gerando uma onda de otimismo quanto ao futuro da indústria do petróleo no país.

A euforia era grande com a 9a Rodada de Licitações da ANP, em novembro de 2007. O preço do óleo vinha crescendo desde o início da década. Beirava os US$ 100 por barril. Os bônus de assinatura de blocos exploratórios estavam na casa do bilhão de dólares na Nigéria e em Angola. Eram os níveis especulados para o leilão.

A descoberta, no entanto, tinha exacerbado os sentimentos nacionalistas. Dirigentes da Petrobras indicavam que não haveria risco exploratório. A recém-criada OGX tinha contratado técnicos da Petrobras, o que causou mal-estar.

Estimulado pela ideia de que o pré-sal era um bilhete premiado, de risco zero, o governo decidiu retirar da rodada os 41 blocos com potencial para descobertas na província.

Faltou uma compreensão correta dos motivos que tinham produzido avanços e retrocessos ao longo do tempo. Ou houve uso político da oportunidade. A exploração de petróleo é uma atividade arriscada. Menos de 20% dos poços pioneiros perfurados no mundo encontram petróleo.

Apesar dos altos níveis de sucesso obtidos, a ideia de que uma área gigantesca, com centenas de quilômetros de extensão, como a que compreende o pré-sal, não apresenta risco não tem fundamento técnico, mas prosperou.

Em toda a América Latina, intervenções governamentais que reduziram o acesso a capitais tinham causado queda na extração. A produção da Petrobras havia começado a crescer quando a empresa, preparada pela convivência com concorrentes, encontrou petróleo na bacia de Campos.

E decolou a partir do fim do monopólio e da realização dos leilões. A descoberta do pré-sal elevou a demanda por recursos físicos e financeiros. Estavam dadas as condições para que outras companhias passassem a investir nos vários segmentos da indústria. Nada disso foi levado em conta.

Em um ambiente muito mais complexo e demandante que o de décadas anteriores, em lugar de buscar atrair mais atores para o setor, velhas ideias de domínio estatal foram resgatadas.

A nova política do petróleo

Começaram as discussões sobre um novo modelo contratual. Em 2009, foi estabelecido um comitê interministerial para avaliar o marco regulatório.

Em vez de aprimorar o modelo de concessão, que havia sido exitoso na atração de capital e no aumento da exploração, ganharam força a criação de outro tipo de contrato, que desse maiores poderes à União, e a ideia de a Petrobras ser a operadora única na nova fronteira geológica.

Após intensos debates, em 22 de dezembro de 2010, foi promulgada a Lei 12.351, que alterou dispositivos da Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, que havia estabelecido as condições para o fim do monopólio estatal do petróleo.

A nova lei criou o polígono do pré-sal (Figura 1) e o conceito de área estratégica, região em que deve ser aplicado o contrato de partilha da produção.

O polígono foi determinado por coordenadas geográficas. As características geológicas e o fato de conter muitas jazidas acima da camada de sal, conhecida como pós-sal, de menor produtividade, foram desconsiderados.

A ideia de a Petrobras ser a operadora única na nova fronteira geológica prevaleceu. Buscava favorecer a empresa controlada pelo Estado e desconsiderou que parte do seu capital social pertencia a privados.

A lei definiu que uma nova empresa pública seria a representante dos interesses da União nos contratos. Essa empresa, que veio a se chamar PPSA, participaria do comitê operacional que administraria os consórcios e ficaria responsável pela comercialização dos hidrocarbonetos recebidos pela União sob o regime de partilha.

Também foi estabelecido um ambicioso Fundo Social, a ser irrigado com as rendas obtidas na exploração do pré-sal, tendo como finalidade constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional.

Também seria objetivo do fundo mitigar as flutuações tanto da renda gerada pelas atividades de produção e exploração de petróleo e outros recursos não renováveis, quanto dos preços.

As mudanças na política energética, no entanto, não se limitaram ao estabelecimento do contrato de partilha, da PPSA e do Fundo Social. Em março de 2009 havia sido aprovada a Lei 11.990, que dispunha sobre as atividades relacionadas a gás natural, e veio a ser revogada em 2021 pela Lei 14.134, a chamada nova Lei do Gás. Porém, por questões de espaço, o setor de gás natural não é objeto deste capítulo.

A distribuição dos recursos advindos da exploração de petróleo e gás foi revisitada.  A Lei 12.734, de 30 de novembro de 2012, determinou novas regras de alocação, entre os entes da Federação, dos royalties e da participação especial devidos. Estados produtores, que perderiam participação, entraram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

Em março de 2013, uma liminar suspendeu os efeitos das alterações promovidas pela Lei até o julgamento final da ação, o que não havia ocorrido até o momento em que este capítulo foi escrito.

As regras de exigência de conteúdo local foram aprofundadas, como se descreve em detalhes em capítulo específico deste livro. Os leilões de novos blocos para exploração foram suspensos.

Em um ambiente de preços de petróleo crescentes, a Petrobras tinha se beneficiado das estimativas de aumento das reservas e da posição de operadora única dos novos contratos de partilha da produção. Passou a assumir elevados compromissos de investimentos.

Em 2010, a União contratou diretamente com a empresa o direito de produzir 5 bilhões de barris de petróleo equivalente (produção de óleo e gás medida em barris de petróleo) de áreas selecionadas do pré-sal. Foi o chamado contrato de Cessão Onerosa, que deu origem a uma capitalização da estatal em cerca de US$ 70 bilhões, a maior operação do tipo até então realizada.

As previsões de produção aumentaram significativamente, chegando a 4,9 milhões de barris de petróleo por dia em 2020, segundo o plano de negócios 2011-2015, divulgado em 2011.

Os projetos ambiciosos iam além da produção de petróleo no pré-sal. Incluíam a manutenção dos campos maduros no portfólio e investimentos em todos os segmentos da indústria do petróleo, em biocombustíveis e em energia. Inclusive em sondas de perfuração.

Foi criada uma empresa para contratar junto a estaleiros a serem implantados no Brasil a construção de até 28 novas sondas, com taxas diárias que poderiam chegar a US$ 400 mil por dia em contratos de dez ou 15 anos. A exemplo do que ocorreu nos anos 1970, essa decisão viria a se mostrar um equívoco.

Refinarias tinham sido compradas nos EUA e no Japão. Apesar dos reveses causados por medidas intervencionistas de governos da América Latina, continuaram os investimentos no exterior.

Partilha x concessão

Desde 1997, vigorava no Brasil o regime de concessão na oferta de áreas de exploração de petróleo e gás natural. Os resultados foram positivos. Centenas de blocos foram contratados e dezenas de empresas passaram a investir no país.

Os defensores de um novo modelo alegavam que os contratos de partilha permitiriam ao Estado maior arrecadação, maior controle sobre o ritmo da produção, além de administrar a exportação e fazer política industrial.

O regime de concessão é simples, com regras bem definidas. Nos leilões o bônus de assinatura é estabelecido pela empresa, sendo o principal componente da proposta.

Vence a disputa a melhor combinação do bônus de assinatura com os outros fatores que compõem a oferta. Caso não haja descoberta de petróleo, o consórcio perde o valor do bônus e os investimentos.

Havendo sucesso, desenvolve o campo e dispõe da produção. Paga royalties de 5% a 10%, percentual aplicado à maior parte dos casos, imposto de renda (IR) e participação especial (PE).

A PE é uma espécie de imposto adicional sobre a renda, aplicável aos campos de alta produtividade, regulamentada pelo Decreto 2.705, de 1998. Pode alcançar 40%. O investidor tem controle das operações. A interferência do governo limita-se às aprovações, licenças e fiscalizações de órgãos como a ANP.

Esse regime, que estimula a redução dos custos operacionais e a eficiência, é amplamente adotado em países com indústria petrolífera mais desenvolvida.

O modelo de partilha é mais complexo. Introduz os conceitos do custo em óleo, valor que a empresa pode recuperar, e lucro em óleo, que é repartido entre empresa e União. O bônus de assinatura é um valor fixo.

Vence a disputa a empresa que oferecer a maior parcela de lucro em óleo para a União. Em caso de fracasso, a empresa também perde o valor do bônus e os investimentos em exploração. Havendo sucesso, desenvolve o campo e dispõe da sua parcela do lucro em óleo. O restante pertence à União. Também contempla o pagamento de royalties e imposto de renda.

Por permitir uma aceleração da recuperação dos custos, a implantação dos contratos de partilha, em países da Ásia e África, no século passado, contou com o apoio da indústria petrolífera.

Esse regime proporciona maior controle ao Estado, que tem a prerrogativa de aprovar os custos recuperáveis e acesso direto à produção. No entanto, a necessidade de validação dos gastos resulta em insegurança e riscos para os empreendedores.

No modelo adotado no Brasil, os royalties subiram para 15%. A Petrobras tornou-se operadora obrigatória, com pelos menos 30% de participação.

A nova estatal, PPSA, passou a participar dos consórcios, tendo o direito de indicar a metade dos integrantes dos comitês que gerenciam os contratos, inclusive seu presidente, que tem poder de veto e voto de qualidade. A PPSA também assumiu a responsabilidade de comercializar a parcela de óleo e gás da União.

O montante de rendas do petróleo carreado para o governo (carga fiscal) não depende do regime de contratação, mas das alíquotas definidas para cada um dos tributos.

Basicamente, é função dos royalties, da parcela de lucro em óleo entregue à União e do IR, na partilha, e dos royalties, das alíquotas de PE e do IR, na concessão.

Com os atuais níveis de PE, a carga fiscal dos contratos de concessão fica na faixa de 50% a 65%.

No caso da partilha, por decisão do CNPE, a carga fiscal alvo nos leilões tem sido mais alta, em torno de 75%. Chegou a 85%, no caso do primeiro leilão dos excedentes da cessão onerosa.

No entanto, uma carga fiscal maior poderia ter sido obtida no regime de concessão de forma mais simples pelo aumento da PE para os campos do pré-sal, sem a criação dos contratos de partilha.

À discussão sobre a tributação somou-se a questão da operação única da Petrobras. Com a carga fiscal na casa dos 75%, a parcela da renda disponível para os consórcios era de 25%, que seriam da Petrobras, caso ela operasse todo o pré-sal.

Como a União detém por volta de 36% do capital da companhia, poderia vir a receber, a título de dividendos, 9% adicionais. Assim, a parcela do Estado na renda do petróleo poderia chegar a 84% (75% em tributos e 9% em dividendos).

Todavia, a lei estabeleceu um percentual mínimo de 30% para a Petrobras em cada campo. Nesse caso, o Estado só receberia 30% dos dividendos (2,7% da renda livre) e poderia vir a alcançar cerca de 78% do total. Assim, é possível concluir que a principal motivação para a Petrobras ser a operadora única não foi arrecadatória. Estava relacionada ao objetivo de exercer maior controle das operações.

A adoção da partilha tampouco era necessária para possibilitar uma possível administração da produção pelo Estado.

Se o governo decidisse manter recursos estratégicos não explorados para garantir o abastecimento futuro, seria mais fácil gerenciar o ritmo das licitações, que independe do regime de outorga.

O contrato de partilha permitiria utilizar o poder da PPSA para ditar o volume de produção de um campo, mas esse tipo de medida traria muitas controvérsias e diminuiria a atratividade dos investimentos no país.

Outro objetivo do regime de partilha seria a possibilidade de o governo utilizar a sua parcela dos hidrocarbonetos produzidos para realizar ações geopolíticas junto a parceiros comerciais.

Ou para fazer política industrial, fornecendo abaixo do preço de mercado a setores que desejasse estimular. Essas ações, entretanto, representariam algum tipo de subsídio que, mesmo questionável, poderia ser dado de forma mais transparente, no regime de concessão.

Uma dificuldade adicional do regime de partilha é que a fração da participação da União é recebida em óleo e gás, não em dinheiro. O governo tem que assumir a logística e o custo de vender os volumes recebidos. Essa comercialização revelou-se uma tarefa mais complexa que o planejado.

A coexistência dos regimes de partilha e concessão ao lado de um terceiro, cessão onerosa, tornou mais difícil e custosa a regulação em geral e a administração de reservatórios compartilhados.

Como os principais objetivos de política energética almejados com o modelo de partilha poderiam ter sido alcançados com ajustes no regime de concessão, a adoção do contrato de partilha trouxe complexidades desnecessárias para o ambiente de negócios.

Conteúdo local

A exigência de requisitos mínimos de conteúdo local (CL) está presente em contratos de exploração e produção de petróleo em diferentes países, como se pode ver em capítulo específico deste livro.

Na Noruega e na Inglaterra, regras de CL ajudaram no desenvolvimento de fornecedores para a indústria de petróleo e gás.

No Brasil, a contratação local surgiu opcionalmente nos primeiros contratos firmados pela ANP.

Na segunda rodada, passou a ser um dos parâmetros de avaliação das propostas. Desde 2005, passaram a ser especificados percentuais mínimos, que deveriam ser certificados por entidades devidamente registradas na Agência.

Ao longo do tempo, as regras foram se tornando mais exigentes e complexas, demandando que as empresas especificassem, além de percentuais globais, seu detalhamento em mais de 90 itens.

Essas medidas foram acompanhadas pelo estabelecimento de pesadas multas financeiras e de sanções, como perda da concessão e proibição de participar em futuras rodadas de licitação.

As iniciativas para incentivar o desenvolvimento da indústria local de petróleo e gás levaram à criação de programas como o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp) e o Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural (Pedefor).

Enquanto nos contratos de concessão os percentuais nas fases de exploração e de desenvolvimento eram ofertados na licitação, a partir dos valores globais mínimos e máximos estipulados no edital e dos percentuais mínimos a cada item especificado, nos de partilha os requisitos passaram a ser fixos, estabelecidos pela ANP.

Em um ambiente de preços crescentes, as empresas passaram a oferecer, nos leilões de concessão, altos compromissos. Acreditavam na possibilidade de isenção, quando fosse comprovado que não era possível atender os percentuais comprometidos. No entanto, apesar do CL ser um dos fatores na definição do vencedor de um bloco, apenas em um caso foi determinante.

Com a queda do preço do petróleo, em 2014, e a crise enfrentada pela indústria em seguida, projetos foram paralisados. Os pedidos de isenção de cumprimento de obrigações de CL, como os relativos às plataformas dos campos de Libra e Sépia, passaram a se acumular. Mas a regulamentação nunca tinha sido concluída, o que só veio a ocorrer a partir de 2018.

A exigência de CL não garante negócios para a indústria nacional. A efetiva contratação local de insumos só ocorre se houver investimentos. A postergação de projetos trouxe prejuízos para as empresas de petróleo, para a União, estados e municípios e para a cadeia de fornecedores. O Estado, que recolhe a maior parte da renda dos projetos, ficou com a maior parcela das perdas. Perdeu mais que as empresas.

Para cada ano de atraso na entrada em produção de uma plataforma de 150 mil barris por dia, como as do pré-sal, as receitas fiscais postergadas chegavam a cerca de R$ 2,6 bilhões, com o petróleo a US$ 50 por barril.

Considerando o conjunto das plataformas previstas, a demora nas contratações causadas pelas disputas sobre CL produziu perdas da ordem de dezenas de bilhões de reais por ano. O prejuízo das empresas foi menor, na casa de R$ 870 milhões por plataforma a cada ano.

O impacto nos fornecedores, com o adiamento da compra de equipamentos e da contratação de serviços, também foi relevante. Para cada sistema de produção de petróleo (poços, equipamentos e plataforma de produção) cerca da metade, algo como US$ 3 bilhões, seriam contratados no Brasil.

Além disso, o efeito das ineficiências causadas por altos níveis de CL precisava ser considerado. Contratações a preços maiores reduzem o imposto de renda e a participação especial pagos pelas empresas.

Nos contratos de partilha, além do IR, elevam o custo em óleo, por meio do qual a União arca, juntamente com as empresas, com os gastos das operações. Assim, quanto maior o custo em óleo, além de mais baixo o IR, menor a parcela da produção que cabe à União.

Por tudo isso, a revisão das regras de CL era fundamental para atrair novos investimentos e, principalmente, destravar projetos que estavam em carteira, a maneira mais rápida e eficaz de acelerar a retomada da atividade.

A interrupção dos leilões

Após a realização da 10a Rodada, em 2008, os leilões foram paralisados. Só foram retomados em 2013, com a 11a Rodada de Concessões e a 1a de Partilha, que ofereceu a área de Libra.

Durante aquele período, a única contratação foi a Cessão Onerosa, em 2010. O ambiente já não era mais o mesmo. As mudanças haviam afetado o ânimo da indústria petrolífera.

Libra saiu pelo percentual mínimo de lucro em óleo, sem competição. Os resultados da 11a e da 12a Rodadas de Concessão frustraram as expectativas. No final de 2015, a ANP licitou 266 blocos na 13a Rodada.

Apenas 37 áreas foram adquiridas, por cerca de R$ 120 milhões, um valor bem abaixo do esperado.

Os cinco anos sem rodadas causaram uma forte redução na exploração. O setor perdeu dinamismo. A atividade passou a ser uma fração da que havia no passado. Enquanto os projetos e a arrecadação no setor de petróleo e gás eram postergados, o país pagava juros cada vez mais elevados sobre a dívida.

Os impactos

Durante o período que se seguiu à descoberta do pré-sal, a Petrobras se beneficiou das estimativas de aumento da produção. O Brasil tornou-se o país com o maior número de campos gigantes descobertos em 20 anos e entrou para a lista dos detentores de grandes reservas.

Para financiar investimentos que alcançariam US$ 47,3 bilhões por ano no período 2011-2015, o endividamento da Petrobras cresceu, atingindo a casa dos US$ 100 bilhões – a maior dívida corporativa do mundo empresarial. O otimismo reinante não permitiu uma correta avaliação dos riscos.

A falta de alinhamento dos preços da gasolina e do diesel aos praticados no mercado internacional vinha afetando o caixa da empresa desde 2011, o que fez com que acumulasse perdas com a importação de derivados.

Antes que o aumento da produção gerasse os recursos necessários para reduzir a dívida, a companhia foi impactada por uma série de adversidades.

No final de 2014, a cotação do petróleo despencou. O real se desvalorizou. Investigações sobre corrupção aprofundaram os problemas da estatal e de seus principais fornecedores. A Petrobras perdeu o grau de investimento, o que aumentou o custo de captação de novas dívidas.

As conjunturas política e econômica se deterioraram. A economia entrou em recessão e se contraiu por três anos consecutivos.

Os investimentos programados foram reduzidos. De US$ 47,3 bilhões por ano, no período de 2011a 2015, para US$ 19,7 bilhões por ano, entre 2015 e 2019. A estimativa de produção de petróleo da companhia para 2020 caiu de 4,9 milhões para 2,7 milhões de barris por dia.

A empresa foi forçada a anunciar um agressivo plano de venda de ativos e a concentrar recursos nas áreas mais rentáveis do pré-sal. Investimentos em campos maduros, refinarias, negócios de gás natural e biocombustíveis foram adiados ou cancelados.

Os principais ativos no exterior foram vendidos. A ideia de criar uma multinacional verde-amarela foi abandonada.

A decisão de interromper os leilões, introduzir os contratos de partilha e concentrar a operação do pré-sal na Petrobras não produziu os resultados esperados. As companhias que haviam se preparado para adquirir áreas no Brasil tiveram seus planos frustrados e passaram a buscar ativos em outros países.

O esperado aumento da exploração não aconteceu. O número de poços perfurados no Brasil até então, apenas 30 mil, continuava insuficiente para identificar o real potencial exploratório do país.

Restavam as campanhas de exploração e os projetos de desenvolvimento decorrentes dos leilões já realizados, que não foram capazes de evitar uma diminuição drástica na perfuração de poços (figuras 4 e 5).

A quantidade de sondas em operação caiu de cerca de 90, em 2012, para 16, em 2017, eliminando mais de 70 mil empregos. As descobertas de petróleo, que chegaram a 173, em 2012, ficaram em 24, em 2017.

 

Se por um lado a extração no pré-sal sustentou o crescimento da produção, de outro, os volumes declinaram nas bacias maduras .

As receitas de participações governamentais, em vez de subir, caíram. Foram de R$ 49,6 bilhões, em 2013, para R$ 17,9 bilhões, em 2016. Decresceram especialmente na bacia de Campos, no Espírito Santo e no Nordeste. Os royalties recebidos pelo estado de Sergipe, por exemplo, saíram de R$ 153,9 milhões, em 2012, para R$ 69,9 milhões, em 2017.

Se as licitações de Libra e as duas rodadas de partilha que ocorreram em 2017 tivessem sido realizadas em 2010, US$ 30 bilhões em investimentos poderiam ter sido antecipados. Nessa situação, até 2017, a União teria recolhido cerca de US$ 16 bilhões em receitas.

Caso o calendário de leilões tivesse sido mantido, até 30 sistemas de produção poderiam ter sido instalados. Os investimentos poderiam ter chegado a R$ 600 bilhões, impactando significativamente a formação bruta de capital.

A arrecadação adicional poderia ter sido da ordem de R$ 500 bilhões entre 2014 e 2017, o período mais agudo da recessão.

A dependência de um único cliente relevante mostrou não ser saudável para os fornecedores de serviços e equipamentos.

Se houvesse outros operadores no pré-sal, a crise da Petrobras não teria sido tão impactante. Menos encomendas para a indústria e empregos teriam sido perdidos.

Desde a criação do Conselho Nacional do Petróleo, em 1938, o setor já tinha sido afetado por decisões de cunho ideológico.

À época do estabelecimento do monopólio, interesses nacionalistas prevaleceram em detrimento de um mercado mais competitivo.

Nos anos 1980, o fracasso dos contratos de risco e o sucesso na bacia de Campos adiaram uma possível abertura, que só veio em 1997 e não alcançou os segmentos de refino e gás. No entanto, nenhuma intervenção teve o impacto negativo das medidas adotadas a partir de 2007.

A Petrobras passou por sua mudança mais intensa e enfrentou a crise mais profunda, justamente em um momento em que as condições de mercado eram ideais para um aumento da produção e do lucro.

Os preços do petróleo estavam em crescimento e havia capital abundante, a juros baixos. Foi a maior oportunidade perdida em uma geração.

A retomada

Em 2016, era preciso adotar medidas que permitissem a recuperação dos investimentos e a retomada da atividade. O fim da obrigação de a Petrobras operar todos os campos do pré-sal foi objeto da Lei 13.365, de 29 de novembro daquele ano.

Por um acordo político, foi estabelecida uma preferência, de forma que a estatal atuasse como operador e possuísse participação mínima de 30% nos consórcios formados para exploração dos blocos licitados no regime de partilha de produção.

Seguiram-se ações no âmbito da política energética e da regulação. O objetivo era atrair diversos tipos de investidores para os três ambientes de exploração e produção presentes no Brasil: o pré-sal, os demais campos marítimos e as áreas terrestres.

Pela primeira vez foi criado um calendário plurianual de rodadas. Com uma visão de longo prazo, as empresas poderiam se preparar melhor para participar dos leilões. Foi adotada uma nova política de conteúdo local com índices globais e apuração mais fácil.

Para quantificar o potencial petrolífero nacional, intensificar as atividades exploratórias, promover a adequada monetização das reservas e maximizar a recuperação dos reservatórios existentes foram aprovadas novas políticas de exploração e produção.

O governo lançou programas voltados à revitalização de áreas terrestres (Reate) e desenvolvimento do mercado de gás natural (Gás para Crescer).

O CNPE publicou diretrizes para individualização da produção, definindo condições para a operação de campos compartilhados por mais de um consórcio de empresas. Os contratos de concessão ficaram mais simples e atraentes.

Os royalties foram reduzidos em áreas de fronteira. Foi regulamentada a isenção de conteúdo local para os contratos até a 13a Rodada, removendo um contencioso que paralisava investimentos.

As renovações de concessões foram simplificadas, os royalties sobre a produção incremental resultantes de investimentos adicionais foram reduzidos e o Reserve Based Lending, um financiamento garantido pelas reservas de petróleo, foi regulamentado.

Para estimular a exploração, otimizar a utilização da infraestrutura ociosa e prolongar a extração no entorno de campos já em produção, criou-se um novo modelo de leilão de blocos: a oferta permanente.

Consiste na disponibilidade contínua de campos devolvidos e blocos exploratórios, através da qual há um estoque permanente de áreas em carteira, dando oportunidade aos investidores de adquirirem ativos a qualquer tempo.

O Regime Aduaneiro Especial de Importação e Exportação de Bens (Repetro) venceria em 2020, prazo incompatível com os horizontes dos contratos assinados após 2010.

Foi renovado, permitindo que a tributação permanecesse reduzida durante a realização dos investimentos e fosse transferida para a etapa de produção, quando o projeto já está gerando caixa.

Para aumentar o volume de petróleo retirado dos reservatórios até o fim da vida útil, governos costumam adotar incentivos econômicos e estimular as transferências de operação para empresas especializadas.

Medidas como essas também eram necessárias no Brasil. Enquanto a média mundial de recuperação de petróleo em uma jazida está na casa dos 35%, aqui era de 21%, em 2017.

Aumentar a extração em 1% representaria acrescentar 2,2 bilhões de barris de óleo equivalente às reservas, que estavam em 15,5 bilhões em 2018. Um incremento desse porte atrairia US$ 18 bilhões em investimentos e geraria US$ 11 bilhões em royalties.

O reposicionamento da Petrobras demandou ações de política energética e regulatórias. Para que os investimentos em campos maduros fossem retomados, o CNPE se manifestou e a ANP estipulou um prazo para a Petrobras decidir o destino de cerca de 250 campos em que havia reduzido investimentos.

Foi acordada a revisão do contrato de Cessão Onerosa, que tinha lacunas significativas, o que desencadeou contencioso entre a União e a Petrobras. O imbróglio se arrastava desde 2014, gerando perdas bilionárias a cada ano que passava. A renegociação viabilizou a licitação dos volumes de óleo que excediam os 5 bilhões de barris vendidos à Petrobras.

As medidas surtiram efeito. Os resultados dos primeiros leilões superaram as expectativas. Os ágios nos blocos mais promissores foram elevados. No entanto, apesar de as principais áreas oferecidas na 6a Rodada de Partilha e no Leilão do Excedente da Cessão Onerosa terem sido contratadas, esses certames não tiveram o mesmo sucesso.

As incertezas sobre as regras aplicáveis às compensações devidas à Petrobras pelos investimentos nos campos desestimularam a participação de outras empresas no Leilão do Excedente. Na 6a Rodada, a Petrobras, depois de ter exercido a preferência em três áreas, surpreendeu e apresentou somente uma oferta.

Entre 2017 e 2019, o país atraiu R$ 112 bilhões a título de bônus de assinatura, mais de 90% de todo o montante arrecado no mundo no período. Os impactos fiscais foram significativos. Mais empresas passaram a investir em exploração no Brasil. Ao mesmo tempo, novas companhias começavam a adquirir ativos maduros e a apostar na sua revitalização.

Em janeiro de 2020, a produção bateu recorde, atingindo pela primeira vez mais de 4 milhões de barris de petróleo equivalente por dia, dos quais 3,168 milhões de barris de óleo.

Os royalties, as participações governamentais e os recursos destinados a pesquisa e desenvolvimento pelas empresas voltaram a subir. O setor de petróleo e gás começava a deixar para trás a sua maior crise.

Mais importante que os bônus arrecadados eram os investimentos e a arrecadação tributária previstos. Estimativas feitas em 2019 indicavam que, se os projetos identificados fossem viabilizados, a produção poderia chegar a 7 milhões de barris por dia, colocando o país entre os cinco maiores produtores.

Nesse caso, os investimentos alcançariam R$ 1,7 trilhão até 2030, enquanto a arrecadação potencial em valores nominais poderia chegar a R$ 5,6 trilhões até 2054, com pico de cerca de R$ 300 bilhões anuais por volta de 2030.

Recentes insucessos na exploração no pré-sal e a provável redução de demanda acelerada pela pandemia de covid-19 vão reduzir as estimativas de produção. No entanto, o potencial continua exuberante e não tem paralelo na região.

A retomada dos projetos já em andamento e o início dos investimentos decorrentes das rodadas realizadas a partir de 2017 estão sustentando o crescimento das participações governamentais, que continuarão a subir fortemente, impactando de forma muito positiva as contas públicas. As contratações junto à cadeia de fornecedores vêm aumentando e gerando empregos.

No entanto, os blocos mais conhecidos do pré-sal já foram contratados, as grandes empresas construíram um portfólio robusto de ativos na região (Figura 10) e a exploração em áreas de fronteira, característica de boa parte das áreas disponíveis no país, está perdendo atratividade em decorrência da transição energética, como confirmou, em 2021, a 17a Rodada de Concessão.

Para continuar a atrair investimentos, é preciso melhorar a competitividade dos projetos no Brasil.

O futuro

Ninguém diria, em 1970, que a solução para a autossuficiência brasileira em petróleo estava escondida sob as águas profundas de Campos e Santos e que, 50 anos depois, o país estaria exportando mais de 1 milhão de barris por dia.

Hoje pode-se afirmar que isso foi consequência das inovações tecnológicas e de gestão para as quais a Petrobras se preparou ao longo do tempo, da quebra do monopólio, das rodadas de licitação e das medidas tomadas a partir de 2016. Não das políticas intervencionistas adotadas nas últimas décadas.

Nos países da América Latina, a politização do petróleo tem gerado mais perdas que benefícios. Raramente trouxe os resultados prometidos. Além de privilégios, produziu dividendos políticos efêmeros e duvidosos, seguidos de desajustes estruturais, jamais soluções duradouras.

As experiências recentes indicam que transparência, competição e parcerias são mais eficientes que monopólios. Avanços tecnológicos e de gestão florescem quando o ambiente favorece os negócios.

A concentração de investimentos em uma só empresa, por mais importante que seja, deixou lacunas que custam caro, como a falta de capacidade de refino quando o país tem excedentes de petróleo, o baixo desenvolvimento do mercado doméstico de gás e a acentuada queda de produção nos campos maduros.

Desde os anos 1950, a indústria do petróleo viveu períodos em que a oferta ou a demanda eram dominantes, facilitando o planejamento e estimulando a execução de projetos de longo prazo de maturação como os localizados em águas profundas ou a exploração em zonas de fronteira. A transição energética aumentou as incertezas sobre a demanda futura.

No ambiente pós-covid, os ciclos de preço serão mais curtos e a disputa por investimentos entre países vai se acentuar. Para atrair mais empresas e capital, é importante que o Brasil continue aperfeiçoando o marco regulatório e aumentando a competitividade.

Uma vez que as áreas mais promissoras do pré-sal já foram licitadas, o principal objetivo deve ser garantir investimentos nos contratos já assinados. Como o regime fiscal brasileiro é regressivo, o ideal seria aproveitar as discussões sobre a reforma tributária para melhorá-lo.

Seria importante também não reabrir discussões que trazem insegurança aos investidores, como as relacionadas a conteúdo local ou Repetro. A oferta permanente poderia se tornar a forma preferencial de contratação, abrangendo todas as áreas disponíveis, inclusive as localizadas dentro do polígono.

O regime de contratação deveria ser simplificado, optando-se somente pela concessão. A conversão dos contratos de partilha existentes em convênios de concessão parece de difícil implementação.

Contudo, enquanto houvesse ofertas de áreas em partilha e concessão, o CNPE poderia ser autorizado a deliberar sobre a definição de área estratégica, o direito de preferência da

Petrobras poderia ser extinto e os poderes da PPSA nos consórcios poderiam ser revistos. Os investimentos em campos maduros e o desenvolvimento de acumulações subcomerciais devem ser estimulados.

Como não falta tecnologia para gerar energia e produzir petróleo e gás de forma ambientalmente responsável, inclusive de fontes não convencionais, é necessário aperfeiçoar e acelerar o processo de licenciamento ambiental.

Uma medida aconselhável seria definir de antemão quais as regiões em que haveria banimento das atividades e quais seguiriam abertas à exploração.

Por fim, é preciso que as relevantes receitas futuras do petróleo sejam utilizadas de forma correta. As expressões “maldição do petróleo” e “doença holandesa” são comumente empregadas para alertar sobre os riscos do mau uso da renda petrolífera e do efeito do aumento da exportação de recursos naturais no setor industrial.

Não existe maldição do petróleo nem doença holandesa quando há regulação eficiente e boa gestão.

É necessário um adequado emprego dos royalties e dos demais recursos destinados a União, Estados e municípios para que a última janela de oportunidade para extração de petróleo e gás, antes da inevitável transição energética, beneficie efetivamente a sociedade brasileira.

 

 

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