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Setor de açúcar e etanol inicia safra nova com baixa demanda e incerteza sobre preços

08 de Abril de 2020

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A indústria de cana-de-açúcar iniciou a safra 2020/2021, no dia 1º de abril, sob um clima de incerteza. A crise trazida pelo avanço da pandemia de coronavírus tem colocado pressão tanto sobre os preços de etanol quanto nos de açúcar, por conta de uma série de fatores, o que acendeu o sinal de alerta entre usinas, produtores de cana e até no governo, que já deixou evidente sua preocupação com a situação do setor.

“Havia uma expectativa altamente positiva de ser uma safra boa em termos de oferta de cana. Tudo indica que será uma safra maior. Há condições climáticas favorecendo o desenvolvimento das plantas, todas as usinas já estavam planejadas, muito preparadas, investindo fortemente em plantio, lavouras, estocagem”, diz o diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Antônio de Padua Rodrigues.

Mas a situação mudou. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), as vendas de etanol hidratado na safra 2019/2020 até janeiro superavam em 7% o mesmo período na temporada anterior, com o desempenho na bomba dando suporte ao preço ao produtor. Entre fevereiro e março, a queda na demanda foi tão brusca que os pesquisadores apontam retração nas vendas de uma safra para outra.

“No entanto, nos dois últimos meses da temporada (fevereiro e março/20), o volume comercializado diminuiu com tanta força que fez com que, no acumulado da safra, houvesse diminuição de 3,7%, comparativamente ao ano safra anterior, segundo levantamento do Cepea”, diz a instituição, em nota, nesta terça-feira (7/4).

Na avaliação da Unica, o mês de março começou a deixar evidente o reflexo do coronavírus sobre o mercado. Até fevereiro, o consumo de combustíveis do ciclo Otto indicava crescimento. No etanol, a indústria tinha demanda firme e registrava altos níveis de venda. Mas as restrições de mobilidade adotadas em função da pandemia reduziram o consumo. Nos primeiros 15 dias do mês passado, a comercialização de etanol hidratado caiu 16% em relação ao mesmo período em 2019, chegando a 690,96 milhões de litros.

O biocombustível também ficou menos competitivo. A incerteza em relação aos efeitos da pandemia sobre a atividade econômica pressionou os preços do petróleo no mercado internacional. Situação agravada por um impasse entre Rússia e Arábia Saudita. No final de fevereiro (entre os dias 24 e 28), o indicador do Cepea para o etanol hidratado teve média em R$ 2,1354 o litro na usina. De 30 de março a 3 de abril, foi de R$ 1,3049.

“Vivemos o pior dos mundos. Não tem preço nem demanda. De um jeito ou de outro, o mercado vai se ajustar e conviver com os níveis de preço que estão sendo praticados. Vamos ver como vai passar esse período até que o mercado volte. Não será do dia para a noite, o que é preocupante porque o setor tem uma necessidade de caixa muito grande para continuar arcando com suas despesas nas execução da safra”, diz Padua.

Renovabio

O menor volume de vendas limita também a capacidade de geração dos Cbios, os Créditos de Descarbonização, títulos atrelados à eficiência energética das usinas e um dos principais pontos do Renovabio, programa de incentivo aos biocombustíveis no Brasil. Para o diretor da entidade que representa as usinas do Centro-sul, deve haver uma revisão das metas para este ano, mas o importante é que o mercado esteja equilibrado e funcione.

E, mais recentemente, a situação ficou tensa em relação ao comércio do combustível. Em nota divulgada no dia 1º, a Unica informou que o mercado foi surpreendido com o anúncio de rompimentos de contratos, sob a alegação de força maior, por parte de distribuidoras de combustíveis e de energia. Um comportamento que chama de predatório e que, a prevalecer, comprometerá o pagamento de fornecedores e colaboradores das usinas, com efeitos sobre pelo menos 1,2 mil cidades brasileiras.

Segundo Padua, é uma situação que só será resolvida com negociação. “Você já não está vendendo e vem uma informação como essa, de que nem aquilo com que você está contando vai poder contar. Não vende e não recebe o que estava negociado. É preocupante para um início de safra onde o compromisso é muito forte”, explica o executivo.

Fornecedores

A incerteza também alcança os fornecedores de cana, lembra a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em relatório de acompanhamento dos efeitos da pandemia sobre o agronegócio, divulgado no último fim de semana, a entidade pontua que esses produtores tendem a sofrer o impacto, principalmente, da demanda menor por etanol e do não cumprimento de contratos.

Produtor de cana-de-açúcar no interior paulista, Gustavo Chavaglia reforça essa preocupação. “Agora que estávamos retomando, vem o coronavírus, a disputa Rússia e Arábia Saudita e a baixa do petróleo. O que adianta eu produzir cana, cortar minha cana, colocar no caminhão e levar para a usina se ela vai só encher os tanques e não tem mercado? Ela vai ter dinheiro para me pagar, se não vender?”, diz ele, que é conselheiro da Canaoeste, entidade que reúne produtores no Estado de São Paulo.

Antonio de Padua Rodrigues, da Unica, destaca que cerca de 30% da cana processada a cada safra vem de fornecedores independentes. Na avaliação dele, medidas anunciadas até agora para aliviar a situação de empresas diante da crise pode ajudar indiretamente o setor. No entanto, ele defende que o governo adote ações específicas. Entre elas, favorecer a competitividade do etanol a através da tributação dos combustíveis e liberação de uma linha de crédito para financiar a estocagem do biocombustível.

“Não dá para estocar cana no campo. Temos que processar, temos que moer. Temos onde estocar açúcar e etanol. Mesmo que não tenha uma venda significativa, a questão da estocagem é fundamental”, diz o diretor da Unica.

Momento muito difícil

A situação do setor parece ter ligado o sinal de alerta também para o governo. Em vídeoconferência com representantes do setor agropecuário, no último domingo (5/4), a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, reconheceu que o setor está passando por um momento que chamou de “muito difícil”. Lembrou que a cana precisa ser colhida e que os reflexos no futuro podem ser “enormes” se esse trabalho não for feito.Uma das preocupações relacionadas à indústria de açúcar e etanol, segundo ela, é com a manutenção dos empregos.

“Infelizmente, com o comércio parado, muitas empresas não vão aguentar. O governo está fazendo medidas e este é um setor que precisa ser ajudado. Temos que olhar de uma maneira pontual e o reflexo no futuro. Tenho conversado com o Evandro e outras pessoas do setor para que medidas devam ser tomadas urgentemente para resguardar o emprego neste segmento”, disse ela, referindo-se ao presidente da Unica, Evandro Gussi, que participou da videoconferência.

Mix de produção

Apesar das dificuldades, pelo menos por enquanto, a moagem neste início de safra está em ritmo normal, diz Antonio de Padua Rodrigues. Algumas usinas podem ter reprogramado seu calendário em 10, 12 dias. No mais recente relatório de acompanhamento de produção, divulgado em meados de março, a Unica diz esperar que 198 usinas estejam em operação até o fim deste mês. Um número até maior que no mesmo período no ano passado, quando eram 157.

Analistas acreditam que a situação do mercado de etanol tende a mudar o mix de produção das usinas, que deve pender para o açúcar nesta safra. Em informe recente, a consultoria INTL FCStone estima que 42,1% da cana processada devem ser direcionados para a fabricação da commodity, oito pontos porcentuais acima do estimado para a safra 2019/2020, encerrada em 31 de março. A empresa considera uma expectativa de moagem de 597,8 milhões de toneladas de cana nesta safra.

Também em relatório recente, o banco holandês Rabobank avalia que a proporção direcionada para o açúcar pode chegar a 45% na atual temporada, o que pode ser revisto, segundo os analistas, de acordo com os desdobramentos da crise entre Rússia e Arábia Saudita, que pressiona os preços do petróleo. A instituição financeira projeta para a safra 2020/2021 moagem de 600 milhões de toneladas de cana no Brasil.

Essa percepção tem efeito sobre os preços do açúcar no mercado internacional, dizem especialistas. Sendo o Brasil o maior produtor mundial da commodity, um direcionamento maior da produção nacional para o açúcar tende a compensar, pelo menos em parte, a expectativa de déficit de oferta previsto em outros importantes produtores mundiais. Os preços, em torno de US$ 0,15 por libra-peso em meados de fevereiro, iniciaram abril abaixo de US$ 0,11, no contrato para maio.

“O açúcar é afetado pela queda do petróleo, pois reduz a competitividade do etanol de cana no Brasil e as usinas tendem a alterar o mix de produção a favor do açúcar, o que eleva a oferta global do produto e pressiona as cotações globais”, ressume o consultor Carlos Cogo, em relatório sobre os impactos da pandemia sobre o agronegócio, divulgado em nas redes sociais.

O diretor técnico da Unica, Antônio de Padua Rodrigues, acredita em ajuste do mercado. Ele destaca que a mudança do mix de produção ajuda, mas não é feita de uma hora para outra. E a capacidade do Brasil de compensar o déficit de oferta é limitada: em torno de 6 milhões de toneladas. Além disso, há dificuldades de logística. Ainda assim, ele acredita que essas empresas devem sofrer menos do que as que dependem mais do etanol.

“Há duas, três safras, já produzimos dez milhões de toneladas a mais, mas a realidade era outra. Hoje, muitas das usinas que produziram açúcar na safra passada não têm nem cana para produzir”, ressalta Padua. “Quem tem essa capacidade (de mudar o mix), boa inteligência de mercado, quem fixou preço, está em uma situação melhor”, acrescenta.

Nos cálculos da Archer Consulting, 87,5% do volume estimado de açúcar para a exportação estão com preços fixados até o mês de março. A proporção corresponde a 17,063 milhões de toneladas dos 19,5 milhões estimados pela consultoria para os embarques da commodity entre abril de 2020 e março de 2021. O valor médio é de US$ 0,1343 por libra-peso, ou R$ 1.300 por tonelada (FOB Santos). No mesmo período na safra passada, o volume fixado era de 11,043 milhões de toneladas.

“É preciso ficar alerta, no entanto, pois a queda abrupta do mercado de petróleo deverá trazer mais açúcar brasileiro para o mercado mundial, diminuindo significativamente o déficit atual”, informa a Archer, em relatório.

“Um grande volume de exportação foi fixado a um preço que não é o atual. Foi na faixa de US$ 0,15 por libra-peso, R$ 1.300 a R$ 1.400 por tonelada. Muitas fixaram câmbio também. Hoje já não dá. Se você imaginar US$ 0,11 por libra-peso, estamos falando de um preço de R$ 1.200 por tonelada no porto. Como tem valor significativo de frete, está bem abaixo do negociado lá atrás”, analisa Padua, da Unica.

 

Fonte: Globo Rural - 07/04 

 

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