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Superoferta mundial de açúcar faz Brasil direcionar safra para etanol

03 de Agosto de 2018

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O mundo está inundado de açúcar. Assim os analistas internacionais explicam a queda do preço dessa commodity. Entre abril e junho, “a libra-peso” de açúcar foi cotada, em média, a 11,91 centavos de dólar, 21,5% a menos do que um ano antes. Na última sexta-feira (27), o valor caiu para 10,88 centavos, uma queda não conhecida havia três anos.

O cultivo comercial de cana-de-açúcar e de suas variedades ocorre em mais de 70 países e territórios ao redor do mundo. As condições climáticas explicam em parte os bons resultados. No Sul e no Sudoeste da Ásia, a cana-de- açúcar cresceu mais do que em outras temporadas.

Índia e Tailândia, dois grandes produtores, tiveram condições meteorológicas ideais para o crescimento da planta. As colheitas fartas nesses países podem resultar em um superávit global de 11,1 milhões de toneladas na safra de 2017/2018.

Além disso, há uma participação maior de produtores europeus no mercado mundial, como explica Ronaldo Knack, do portal Brasilagro.

“Nessa safra 2018/2019 nós tivemos um incremento muito grande da produção. A produção da União Europeia cresceu 21%, ou seja, chegamos a 29,5 milhões de toneladas de açúcar de beterraba. Vale ressaltar que até dois anos atrás, havia um acordo através do qual os produtores europeus não poderiam disputar o mercado internacional. Com essa abertura do mercado internacional, houve um incremento de produção do açúcar europeu de cerca de 21%. A Índia simplesmente duplicou a sua produção de açúcar e também trouxe um impacto muito grande. A Tailândia, país que também disputa o mercado internacional, elevou em mais de 20% a sua produção de açúcar”.

Em razão disso, a perspectiva sobre a colheita é de uma supersafra, uma das maiores em décadas, o que interfere diretamente no preço do produto.

O impacto para os produtores é inegável, especialmente no Brasil, maior fornecedor mundial do produto e responsável por 45% das exportações mundiais.

Em Nova York, o preço do açúcar bruto, que é referência mundial, caiu 27% desde o início do ano. Nenhuma outra matéria-prima teve resultado pior no período.

Opção pelo etanol

Diante desse cenário, a estratégia do setor canavieiro brasileiro é deslocar o foco para a produção de bio combustíveis, como explica Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da UNICA, a União da Indústria de Cana de Açúcar.

 “O impacto é muito forte. Ele só não é mais forte porque o brasileiro tem uma alternativa que e a produção do etanol. Então esse ano a safra será muito mais alcooleira do que açucareira. Nós devemos reduzir a produção de açúcar em até oito milhões de toneladas dada a queda de safra e da possibilidade de você alterar o mix de produção. Com isso, aqueles produtores que têm mais flexibilidade e que vão aderir mais à produção do etanol, sem dúvida sofrerão menos do que aqueles que não têm flexibilidade e que não têm alternativa de produzir mais etanol do que açúcar.

Segundo Pádua, o consumidor brasileiro sai ganhando.

“O consumidor hoje está se beneficiando tanto do etanol quanto do açúcar, dado que no Brasil o grande mercado ainda é de exportação, apesar dessa redução, e os preços do mercado interno são muito ligados aos preços do mercado internacional. Então hoje, nesse momento, o consumidor brasileiro está muito beneficiado tanto pela questão dos preços do açúcar, quanto pela questão do preço do etanol”.

Além das condições meteorológicas, outros fatores pesam nos resultados da lavoura de cana. Como a concessão de subsídios por parte de alguns países produtores. As usinas da Índia, por exemplo, vendem açúcar abaixo do custo, e atualmente devem aos agricultores locais cerca de 200 bilhões de rúpias, o equivalente a U$ 2,95 bilhões. Para tentar minimizar esse quadro e ajudar os produtores a pagarem suas dívidas, o governo indiano alocou 15,4 bilhões de rúpias, cerca de US$ 230 milhões para subsidiar uma parte dos pagamentos de cana feitos aos agricultores.

Segundo o diretor da UNICA, uma concorrência desequilibrada e que não segue as mesmas normas da Organização Mundial do Comércio.

“Precisaria acabar com esse protecionismo que existe nos mercados da China, da Índia, da Tailândia. Hoje o açúcar é uma commodity, e se a commodity está com o preço desvalorizado não e por conta do Brasil, mas por conta de subsídios desses países de uma forma não concorrencial que existe nesse mercado”.

No Brasil é a seca que mais preocupa

No Brasil, o cultivo comercial da cana-de-açúcar está relacionado ao desenvolvimento econômico. A maior concentração das lavouras está no estado de São Paulo, seguido por Goiás e Minas Gerais.

O início da indústria açucareira no país se deu em meados do século XIV, no início do período colonial, quando foram introduzidas mudas de cana-de-açúcar provenientes da Ilha da Madeira. O primeiro registro de entrega de açúcar brasileiro na alfândega de Lisboa data entre 1520 e 1526.

No entanto, um dos setores mais tradicionais do agronegócio nacional vem passando por grandes dificuldades financeiras, agora acentuadas pela longa estiagem que atinge o Centro-Sul do país desde o mês de abril. A falta de chuvas agrava o risco de incêndios decorrentes da seca e dificulta a renovação das lavouras.

Na região de atuação da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste de São Paulo (Canaoeste), por exemplo, desde o início do ano foram registrados 2.682 focos de incêndio. A maior parte dos casos ocorre nos canaviais margeados por rodovias. A seca é um dos fatores para a queda atual da produção brasileira de açúcar, afirma Ronaldo Knack.

“Nós estamos prevendo uma quebra de produção em torno de 27% dos produtores brasileiros de cana. Domingo, uma das unidades do grupo Louis-Dreyfus teve um incêndio em um canavial que atingiu 600 hectares e uma das principais rodovias da região de Ribeirão Preto foi interrompida por três horas para o combate do fogo. Vale ressaltar que estamos há mais de 60 dias sem uma gota d’água”.

Praticamente todo o Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul, assim como áreas do Triângulo Mineiro e do norte do Paraná ficaram sem chuvas por um período entre 30 e 60 dias, segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Ronaldo Knack receia que as consequências da estiagem atual se estendam pelo próximo ciclo, aumentando as dificuldades do setor. “Desde 2007, já fecharam no setor da cana 120 usinas, de todos os portes, pequenas, médias e grandes. Só na área rural, segundo dados da USP, foram extintos 600 mil postos de trabalho. A indústria de base que fornece equipamentos nos processos de renovação para as usinas é um setor que está passando os seus piores momentos".

Leia e ouça a íntegra da reportagem no link

Fonte: Magazine Economia da Radio France Internacional - 02/08/2018

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