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Tá no mudo!

01 de Abril de 2021

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Por Eduardo Leão, Diretor Executivo da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica)

Extraído do Correio Braziliense, 01/04

“Tá no mudo!” Esta tem sido, seguramente, uma das frases mais ouvidas e/ou faladas nesse último ano. Durante os inúmeros seminários e reuniões virtuais realizados nesses tempos de pandemia, é quase impossível que o já tão familiar alerta “tá no mudo” não seja dito em uníssono quando alguém tenta, sem sucesso, expressar suas ideias e pensamentos.

Sentimento semelhante pode ser percebido num mundo que exige debates cada vez mais amplos e complexos, como no caso do grande desafio do aquecimento global. Nessa agenda de descarbonização da economia, na qual o setor de transportes joga um papel central, percebe-se que, infelizmente, vozes e tecnologias não têm sido ouvidas, ao menos na intensidade necessária.

De fato, verifica-se hoje uma onda avassaladora e global na direção da eletrificação da frota veicular por meio de grandes baterias, com veículos movidos exclusivamente por energia obtida por meio de uma tomada (plug-in). Antes de nos lançarmos nessa corrida, porém, precisamos “tirar do mudo” algumas reflexões.

Partindo-se do pressuposto que o objetivo seja a efetiva descarbonização dos transportes, que hoje representa um quarto de todas as emissões de gases de efeito-estufa (GEE), o primeiro debate a ser levantado é sobre os métodos de aferição do impacto ambiental de cada solução. Veículos elétricos 100% a bateria pode ter um impacto ambiental bastante questionável a depender da fonte de energia elétrica usada, como térmicas a carvão, altamente poluente.

Assim, especialistas no assunto apontam como ineficazes para o combate ao aquecimento global métodos que analisem apenas o veículo (tanque à roda) e indiquem como mais adequadas as que trazem a análise do ciclo de vida (do poço à roda), que mensuram o impacto ambiental em emissão de carbono por quilômetro rodado, ao longo de toda a cadeia produtiva do combustível e do veículo, sua vida útil e o descarte.

Para construir uma estratégia visando efetivos ganhos de eficiência ambiental e energética, é preciso analisar rotas tecnológicas alternativas e estabelecer graus de factibilidade e urgência adequados a essas diferentes realidades regionais. Certamente, haverá uma coexistência de diversas formas de motorização, que serão definidas conforme o poder aquisitivo e padrão de uso do consumidor e a disponibilidade de recursos em cada região.

O carro plug-in certamente terá seu espaço em centros urbanos. Mas será aplicável em escala nacional em países continentais, como a Índia ou o Brasil? Cálculos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que, no Brasil, seriam necessários mais de R$ 1 trilhão para substituir toda a infraestrutura de abastecimento dos postos de gasolina e etanol, para atender os carros elétricos. Além disso, o custo das grandes baterias coloca os modelos plug-in longe do alcance do consumidor médio brasileiro.

Alternativas de baixo carbono apresentam-se para diversificar as opções. A começar pelo veículo híbrido-flex, que gera eletricidade dentro do carro e chega ao padrão de emissão de 25 gramas de CO² por km quando abastecido com etanol, uma das mais baixas taxas do mundo. Há, também, estudos com motores elétricos com célula a combustível a partir do etanol, que alcançam rendimento de até 30 km por litro, com emissões próximas de zero.

Para fins de comparação, um veículo abastecido com gasolina pura emite em média 155 g CO²/km e o elétrico plug-in europeu fica na casa de 54 g CO²/km, mais poluente portanto, do que a solução do carro flex, já adotada aqui há quase duas décadas que, com etanol, emite 34 g CO²/km. Isso porque o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar proporciona uma redução de até 90% na emissão de GEE quando comparado à gasolina.

O mundo hoje clama por opções que permitirão “achatar a curva das emissões” e evitar o iminente colapso causado pelo aquecimento global. O etanol tem muito a contribuir nesse processo da mobilidade sustentável que, ao longo desse século, deverá ter múltiplas formas e soluções tecnológicas. Hora de ligar os microfones!

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