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‘Tema ambiental afeta fluxo financeiro’

24 de Janeiro de 2020

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Presidente do BC, Campos tem chamado a atenção para o assunto em reuniões do governo

Por Claudia Safatle e Estevão Taiar — De Brasília

As discussões sobre meio ambiente já afetam os fluxos financeiros globais, o que tem importância significativa para o Brasil, segundo o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Em entrevista ao Valor, ele advertiu que os grandes investidores internacionais estão começando a exigir dos países uma espécie de “selo ambiental”.

O governo do presidente Jair Bolsonaro foi muito criticado nessa área no primeiro ano de mandato. Polêmicas sobre aumento do desmatamento da Amazônia tiveram repercussão mundial. Segundo Campos Neto, o assunto tem sido discutido dentro do governo.

Existe uma visibilidade maior tanto no nosso governo quanto em vários outros desse impacto nos fluxos”

“Estamos desenhando todo um programa de diminuição do governo, com investimento privado”, disse. “Parte desse investimento privado vem de fora. A gente vai ter um desenho diferente daqui para a frente.”

O presidente do BC citou o caso da gestora de recursos americana BlackRock, que já começou a exigir governança na área ambiental como critério para seus investimentos. “O investimento externo vai olhar esses critérios [ambientais].

Precisamos estar em conformidade. Eu externei essa opinião algumas vezes [dentro do governo]”, informou. “Existe uma visibilidade maior tanto no nosso governo quanto em vários outros desse impacto [da questão ambiental] nos fluxos financeiros. Alguns anúncios já foram feitos.”

Estamos desenhando todo um programa de diminuição do governo, com investimento privado”

Campos Neto disse, também, que as medidas que vem adotando para estimular a competição entre os bancos e, assim, reduzir os spreads bancários são boas para o sistema. “Não vejo como isso possa ser ruim para o sistema. Talvez, os grandes agentes de mercado possam pensar que terão uma fatia um pouco menor de um bolo muito maior.”

Valor: A impressão que se tem é que os investimentos no país estão sempre atrasando.

Roberto Campos Neto: O ciclo vai se autoalimentando. O primeiro [investidor] acredita mais, aí, gera o crescimento. Alguns entram mais rapidamente e outros demoram mais. Investimento real é diferente de portfólio. Alguém que toma decisão de montar fábrica não é tão rápido quanto quem decide comprar uma ação. A segunda parte da resposta entra na questão do clima, que foi destaque em Davos e tem sido destaque também nas nossas conversas internas do governo, que tomou uma medida recentemente (a criação do Conselho da Amazônia). 

Valor: O Brasil vem sendo fortemente criticado nessa área desde o início do governo Bolsonaro.

Campos: O que importa para a gente é que o tema vem crescendo, impactando áreas diferentes. Primeiro, foi muito na parte energética. O meio ambiente começou a influenciar a produção de energia. Depois, passou para a agricultura, cada vez mais impactando a forma de produzir alimentos. Agora, está se desenhando uma terceira forma que é muito mais intensa, o impacto no fluxo financeiro mundial. Essa parte é muito relevante para a gente. Estamos desenhando todo um programa de diminuição do governo, com investimento privado. Parte desse investimento vem de fora. A gente vai ter um desenho diferente daqui para a frente.

Valor: Por quê?

Campos: O investimento externo vai olhar esses critérios [ambientais]. Precisamos estar em conformidade. Eu externei essa opinião algumas vezes [dentro do governo]. Existe uma visibilidade maior tanto no nosso governo quanto em vários outros desse impacto [da questão ambiental] nos fluxos financeiros. Alguns anúncios já foram feitos. 

Valor: Quem já exige esse selo? 

Campos: A BlackRock, por exemplo, anunciou que, para ter empresas na carteira, precisarão seguir critérios de governança ambiental. O mundo financeiro é interligado mais rapidamente. Se tenho uma seta que diz que meu fundo só pode investir em empresas que tenham esse selo [ambiental], a empresa precisa ter certo critério para investir. Se ele investir em outra [empresa] que não tem [o selo], mesmo fazendo todo o resto, ela perde o selo. 

Valor: O aumento do déficit em conta corrente é uma preocupação?

Campos: A gente tem conversado muito sobre isso. Em 2019, houve volatilidade causada por dois motivos no mesmo período.

Valor: Quais?

Campos: Um foi uma troca de metodologia do BC, para entender o que era o dinheiro que estava circulando fora das empresas brasileiras. Isso era feito por meio de um documento chamado DARF. Esse método começou a ter cada vez menos relevância. Em algum momento, na gestão anterior, foi entendido que mesmo o DARF sendo um dado real, ele não teria muita relevância. A gente não conseguia ver o caixa que as empresas brasileiras tinham fora e o que elas estavam fazendo, se talvez fosse melhor do que os dados que a gente tinha. Quando isso ocorreu, houve impacto, mas foi feita em fases para que a mudança não fosse abrupta, saiu inclusive no Relatório de Inflação anterior. Outro tema foi um erro no Documento Único de Importação. O número veio bastante diferente do que todo o mercado esperava. Essas duas mudanças geraram volatilidade.

Valor: No comércio propriamente dito, há preocupação?

Campos: Quando a gente olha o que piorou, teve um elemento de Argentina grande, um elemento agropecuário grande. Não é uma tendência preocupante, a gente vai acompanhar isso no dia a dia.

Valor: O senhor é o terror do sistema bancário, com a agenda de ‘open banking’ e a obrigatoriedade de ampla abertura de informações?

Campos: Não. A nossa agenda é muito boa para o sistema bancário. Gera competição, precificação e inclusão. Você vai aumentar a função intermediação financeira, alocar os recursos de maneira mais eficiente, diminuindo o direcionamento. Vale lembrar que hoje o balanço de um banco tem dois pedaços.

Valor: Quais?

Campos: Um, de 60%, que é o crédito livre, de rentabilidade alta, de 25% e 30%, e os outros 40%, que são recursos direcionados, de rentabilidade baixa, abaixo de 8%.

Estou liberando uma parte que tem retorno baixo para ter retorno alto. Essa substituição de tudo que é direcionado, subsidiado, tem um efeito benéfico para os bancos. Tem a questão da competição, que vai gerar inclusão e segmentação.

Valor: De que forma?

Campos: Haverá fintechs especializadas em algum tipo de serviço. Às vezes, um banco grande está fazendo uma função muito bem e não tem um retorno tão bom. Ele pode ser substituído por outra fintech que vá fazer só aquele serviço. No futuro tudo estará tudo interoperável, instantâneo e aberto. Não vejo como isso possa ser ruim para o sistema. Talvez os grandes agentes de mercado possam pensar que

Valor: A mudança do cheque especial está funcionando?

Campos: Foi implantada em janeiro e os bancos já estão cobrando no máximo os juros de 8%. O que tem aparecido é que os bancos decidiram não cobrar tarifa. Não tenho notícia de um banco que tenha vindo a público falar que vá cobrar tarifa. Mas há notícias de vários que já determinaram que não vão cobrar. No fim, o resultado foi o realinhamento do produto, em que uma taxa de juros média para o cliente é mais baixa. A tarifa é um direito de os bancos cobrarem. Eles estão preferindo não cobrar, o que significa que o produto era viável, mesmo não cobrando tarifa. O banco está olhando mais o cliente com o portfólio de produtos. Não posso pensar só em um produto, preciso que o cliente consuma vários [produtos].

Valor: Não dá para reduzir esses 8%?

Campos: A medida foi feita pensando na reengenharia do produto. Nós queríamos que o produto existisse, só queríamos fazer uma reengenharia. Os bancos vão poder cobrar menos de 8% se quiserem. Caso tenha competição saudável, isso vai acontecer. Tem banco já dizendo que vai cobrar menos de 8%. Mais recentemente, em conversas, outros agentes falaram: ‘Dependendo da plataforma que eu construir, posso ter juros mais baixos’. É importante a portabilidade, que alguém que não esteja satisfeito com os juros possa ir para outro lugar. A ideia nunca foi fazer controle de nada. A gente entendeu que esse produto tinha uma engenharia muito perversa e que precisava ser mudada. O que vamos ver é que haverá um produto, talvez não com a mesma rentabilidade de antes, talvez até maior, mas ele vai fazer parte de um grupo de produtos. Os bancos olham os produtos como um todo.

 

Fonte: Valor Econômico – 24-01

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