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Tesla fatura milhões: por que os créditos de carbono ainda não decolaram aqui

29 de Julho de 2020

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Ao anunciar seus resultados para o segundo trimestre de 2020, a Tesla surpreendeu. A empresa obteve lucro de US$ 104 milhões no período, o que representa 550% de crescimento em relação ao primeiro trimestre. E não para por aí. A forma como este resultado foi alcançado, também impressiona. 

Enquanto a venda de automóveis pela companhia de Elon Musk cresceu apenas 1% no período, a comercialização de créditos de descarbonização subiu 21%, gerando US$ 428 milhões de receita. Tudo isso para dizer que o Brasil, que tem enorme potencial para liderar este mercado, está perdendo dinheiro porque ainda não conseguiu otimizar sua legislação sobre o tema.

Com base nos compromissos estabelecidos pelo Acordo de Paris, o governo federal, então comandado por Michel Temer, criou, em 2017, o RenovaBio. O objetivo era definir metas nacionais anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, de forma a incentivar o aumento da produção e da participação de biocombustíveis na matriz energética de transportes do país.

Para isso, foram criados os Créditos de Descarbonização (CBios), que serão emitidos por produtores e importadores de biocombustíveis, devidamente certificados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), com base em suas notas fiscais de compra e venda. 

Em contrapartida, os distribuidores de combustíveis fósseis possuirão metas anuais de descarbonização calculadas pela ANP, com base na proporção desses combustíveis que comercializam, e adquirir CBios é a única forma de atingir as metas.

“Cada crédito representa uma tonelada de carbono que não foi para a atmosfera”, diz Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA).

Essas negociações, realizadas no ambiente da B3, já estão disponíveis há meses, mas sem grandes resultados até aqui. Gussi explica que um dos grandes empecilhos é a carga tributária vigente no programa.

“Os CBios foram classificados como ativos ambientais, diferentemente de ativos financeiros e valores mobiliários. Por conta disso, a carga dos CBios fica em 40,25% enquanto as outras modalidades pagam 15%”, diz.

O Congresso Nacional até chegou a aprovar uma medida provisória, a MP 897, que dispunha sobre o tema, mas o texto foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro após recomendação do Ministério da Economia que afirmou que haveria uma renúncia de receita. Apesar disso, a negociação parece ter avançado nos últimos dias e existe a expectativa que o poder Legislativo derrube o veto ou que o governo edite nova medida provisória para realinhar expectativas.

Gussi, da UNICA, afirma que as entidades do meio não querem isenção e estão em sincronia com os ministros Bento Albuquerque e Tereza Cristina, de Minas e Energia e Agricultura, respectivamente, mas o ministério da Economia, parece demonstrar “incompreensão do tema”. “Estamos perdendo oportunidade econômica de ouro. Os países vão procurar esses créditos porque não vão conseguir cumprir metas.”

Procurado pelo CNN Brasil Business, o Ministério da Economia não se manifestou até o fechamento da reportagem. Em entrevista aos âncoras Rafael Colombo e William Waack para o programa O Brasil Pós-Pandemia: A Retomada, a ministra Tereza Cristina chamou o RenovaBio de maior programa de descarbonização do mundo e afirmou que países como China e Índia demonstraram interesse pelo projeto.

Questionada sobre o imbróglio em torno da carga tributária, ela afirmou que “o ministro Paulo Guedes sabe que nós precisamos tornar o etanol uma commodity”. “O RenovaBio saiu finalmente do papel, agora precisa ser aplicado. O Cbio vai acontecer, mas precisa ser mais barato. Tenho convicção de que teremos um mercado atraente em breve.”

A brasileira Copersucar, gigante global do comércio de açúcar e etanol, tem suas 34 usinas associadas certificadas pelo RenovaBio. Com isso, poderá gerar até 6 milhões de Cbios por ano. “Enxergamos com grande otimismo no médio prazo, mas nesse início o mercado precisa de tempo, investimento, tecnologia e engajamento dos parceiros”, diz João Teixeira, CEO da companhia.

Metas anuais de descarbonização

Há ainda outro problema, esse causado pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus no setor. A ministra da Agricultura chamou o período de “tempestade perfeita”, já que, além da demanda por combustíveis ter sido drasticamente reduzida juntamente com o trânsito de pessoas, o preço do petróleo também sofreu adicionalmente em consequência da guerra comercial envolvendo Rússia e Arábia Saudita.

Por conta disso, foi aberta uma consulta pública no ministério de Minas e Energia para deliberação de novas metas anuais de descarbonização. Os valores, originalmente estabelecidos para 28,7 milhões de créditos em 2020 e 41 milhões em 2021, devem ser diminuídos em virtude da crise. Diversos agentes do setor registraram contribuições e reduções nos objetivos podem ser acordadas em breve.

Entre os números sugeridos na consulta, há possibilidade de redução da meta de 2020 de 28,7 milhões para 14,53 milhões de CBios, ou seja, uma diminuição de quase 50% em relação ao valor atualmente em vigor. Em relação a 2021, a queda é de 40%, passando de 41 milhões para 24,86 milhões de CBios. As metas entre 2022 e 2030 também devem ser reduzidas.

“O RenovaBio está nos 45 minutos do segundo tempo para ser efetivamente implementado” diz o CEO da Copersucar. “Mas essa demanda não deve estar restrita às distribuidoras de combustíveis. Vamos disseminar o conhecimento deste mercado pelo mundo todo, para que empresas que queiram neutralizar efeitos de emissão de carbono possam usar os CBios como alternativa”, afirma. 

Manifesto

A Unica informou que na sexta-feira (24) foi enviado ao Ministério de Minas e Energia (MME) um manifesto assinado por representantes da academia, do Poder Legislativo, das associações de produtores rurais e de federações e confederações das indústrias e da agricultura em apoio à regulamentação e implementação da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) como instrumento de descarbonização da matriz brasileira de transporte.

Em nota, a entidade diz que o documento reforça a importância do estabelecimento das metas de CBios atualmente em revisão, da manutenção das regras e critérios estabelecidos na lei e da precificação via mercado.

"A introdução de conceitos não previstos nas regras existentes poderá comprometer a efetividade do programa, o atingimento dos objetivos estabelecidos na legislação em vigor e sua regulamentação", dizem os signatários do documento.

Entre os que assinam, além da Unica, estão, entre outros, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Conselho de Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Etanol do Estado de São Paulo (Consecana), e Copersucar.

 

 Fonte: CNN, Com informações do Estadão Conteúdo – 28/07

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