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Teste de forças

07 de Dezembro de 2020

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A pandemia trouxe uma nova realidade para a indústria global de petróleo. A demanda deve cair 9% nesse ano e o preço do barril deve se situar abaixo de US$ 60 pelo menos até o fim de 2021, segundo estimativas da Agência Internacional de Energia.

A vitória de Joe Biden nos Estados Unidos, apesar da indefinição em relação à eleição final do Senado, cujo resultado só será conhecido em janeiro, reforça a agenda de transição energética para uma economia de baixo carbono. Fazer mais com menos e investir em novas tecnologias para redução de emissão de poluentes globais serão as duas variáveis mais importantes da equação de sobrevivência em um cenário de médio e longo prazo, que aponta que os combustíveis fósseis ainda deverão representar metade do consumo de energia até 2040.

Um dos temas chave na Rio Oil&Gas, realizada na semana passada, a redução de emissões ganha importância no cenário pós-pandemia e do Acordo de Paris. "A pandemia acelerou esse caminho com a baixa do consumo de óleo e gás, isso pode provocar ajuste nessa transição", analisa Miguel Pereira, presidente da portuguesa Galp, terceira maior produtora de petróleo no Brasil.

A Shell anunciou publicamente a meta de se tornar neutra em carbono em 2050. No Brasil, cerca de um terço do orçamento de pesquisa e desenvolvimento da empresa será direcionado a novas energias e biocombustíveis, a partir de 2021. "Vamos vender mais produtos com menos intensidade de carbono, como energias renováveis", diz o presidente, André Araújo. A empresa ganhou musculatura também no setor elétrico, por exemplo, em comercialização. O mercado livre responde por um terço da carga do país e tem impulsionado fontes renováveis.

A velocidade da transição energética é a pergunta na cabeça de todos os CEOs. "A definição de como ele se dará ainda é uma incerteza", disse o presidente da Barra Energia, Renato Bernani. Uma pequena parte das variáveis será conhecida no início do ano. "Os Estados Unidos devem voltar a ser mais ativos na política climática mundial, mas, para avaliarmos a extensão e profundidade dessas mudanças, é preciso esperar a definição de com quem ficará o controle do Senado, se os republicanos ou os democratas. Só saberemos isso no início de 2021", destacou Daniel Yergin, um dos maiores especialistas do setor de petróleo no mundo.

A camada pré-sal continua sendo um grande atrativo para investir no Brasil por causa da alta produtividade e competitividade. O custo de extração no pré-sal, chamado no mercado de lifting cost, está em US$ 2,3 por barril de óleo equivalente (um dos mais baixos do planeta), sendo que mais de dez poços na região operam com produção superior a 45 mil barris por dia. Quanto maior a exploração, mais baixos são os custos. Em dez anos, tem havido uma redução de 7% ao ano da construção de poços nessa fronteira exploratória, descoberta em 2006, diz Joelson Falcão Mendes, gerente-executivo de águas ultra profundas da Petrobras.

Em paralelo, tem caído a emissão de dióxido de carbono: de 30 kg de CO2 por barril de óleo equivalente em 2009, para 17 em 2019, e que deve recuar para 15 neste ano. "Temos como expandir a extração de óleo com menos emissões, o Brasil ainda tem sol e vento. Estamos posicionados na transição", afirma. A estatal tem focado investimentos na camada pré-sal. Hoje o campo de Tupi, desenvolvido em parceria com a Galp e Shell, produz 1,3 milhão de barris por dia com nove sistemas operando. "Estamos olhando novas tecnologias e estamos discutindo um novo plano de desenvolvimento com a ANP para uma extensão do prazo de concessão, que expira em 2037", destaca Falcão Mendes. Em Búzios, com produção de 600 mil barris por dia em quatro sistemas, outros oito deverão entrar em operação nos próximos anos. "Deverá pelo menos triplicar a produção e ser o maior campo de produção na próxima década."

Para uma indústria, que em alguns momentos das duas últimas décadas surfou na onda do petróleo alto (em junho de 2008 chegou a US$ 143), a pandemia, quando o barril despencou para US$ 19 em abril, traz incerteza sobre a demanda, o que deve levar a cotações mais baixas nos próximos anos. "Não sabemos ainda quando se dará a retomada, mas trabalhamos para que os preços possam ficar baixos por um longo tempo", afirma a presidente da ExxonMobil Brasil, Carla Lacerda. No caso da empresa, houve uma redução de investimento de 30% em todas as operações no mundo. "A pandemia terá impacto, mas os combustíveis fósseis deverão responder por pelo menos metade das energias consumidas até 2040. A questão é como continuar entregando energia reduzindo a emissão de poluentes."

O mapa de energia no Brasil será transformado em breve com a abertura do refino, historicamente nas mãos da Petrobras, detentora de 98% do mercado. A estatal está colocando à venda oito refinarias no país, o que representa cerca de metade da capacidade de processamento nacional, com aproximadamente 1,1 milhão de barris por dia. Seis processos estão mais avançados e os dois últimos (Refap, no Rio Grande do Sul, e Repar, no Paraná) deverão receber ofertas até 10 de dezembro, afirmou no evento Anelise Lara, diretora-executiva de refino e gás natural da Petrobras. "No início de janeiro, deve ser aprovada a proposta da refinaria da Bahia, a primeira, que está concluindo a negociação. Temos visto várias ofertas e vários players disputando os ativos", disse. Estima-se no mercado que a empresa pode arrecadar US$ 20 bilhões na venda, que poderá atrair não apenas players que já investem no país, mas empresas que não estão presentes no Brasil ou ainda têm participação tímida.

Anelise ressalta que, mesmo com o desinvestimento, a empresa continuará sendo um concorrente importante no segmento. "Nosso desafio é mudar a mentalidade da equipe, que estava orientada em uma cultura de monopólio."

A saída da Petrobras é um momento de transformação, afirma Marcelo Araújo, presidente da Ipiranga. "O segmento vai ser mudado com novos players. A necessidade de investimentos em distribuição de combustíveis nessa década ficará entre R$ 82 bilhões a R$ 100 bilhões, o que traz desafios e oportunidades, mas é possível que o preço para o consumidor final caia com a competição. Será preciso que a regulação acompanhe as mudanças", diz.

Outro ponto é reduzir o mercado ilegal. Segundo a FGV, em 2019, o setor sofreu perdas de R$ 7,2 bilhões em sonegação e inadimplência. As diferenças entre as alíquotas estaduais de ICMS, por exemplo, abrem espaço para as fraudes tributárias, como desvio de finalidade de importações e criação de empresas de fachada.

A importância das mudanças climáticas na agenda corporativa mundial também deve ter impacto sobre o segmento, que no Brasil, desde a década de 1970, com o lançamento do Pró-Álcool, tem participação relevante do biocombustível. O programa RenovaBio, iniciado em junho, promoveu as primeiras emissões e aquisições de Créditos de Descarbonização (C-Bios). Pela política criada pelo governo federal em 2017, as distribuidoras de combustíveis devem adquirir C-Bios para compensar as emissões relacionadas às vendas de combustíveis fósseis. O país ainda tem liderança em agroenergia. "Os biocombustíveis terão papel relevante no futuro energético mundial nas próximas décadas", diz Bernard Pinatel, presidente da área de refino da francesa Total.

 

Fonte: Valor Econômico – 07/12

 

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