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Tributação sobre carbono e a PEC 45

30 de Setembro de 2019

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O artigo 154, inciso III da proposta de reforma tributária (PEC 45) visa introduzir na Constituição a possibilidade de criação de impostos seletivos com o objetivo de onerar o consumo de bens geradores de externalidades negativas, tais como dióxido de carbono.

O texto da justificativa à introdução do artigo 154, III cita o exemplo da tributação do cigarro e de bebidas alcoólicas, cujo consumo se deseja desestimular. Dentre este rol poderia estar também elencado o tributo sobre carbono, já que o objetivo do imposto é justamente desestimular o consumo de produtos ricos em carbono.

De fato, todos os impostos sobre carbono já introduzidos por países ao redor do mundo são impostos seletivos que no exterior é conhecido como um “excise tax”. O imposto seletivo, conforme a nomenclatura agora proposta no Brasil, é um imposto incidente em um ato, atividade ou consumo, em que exista uma correlação entre o preço pago pelo consumidor e a valor corrente da commodity tributada. Em se tratando de um imposto sobre carbono, este tipicamente incide sobre carvão e demais derivados de petróleo, leia-se: diesel, gasolina ou gás natural.

O imposto pode, portanto, ser modulado para se adequar ao propósito pretendido pelo legislador. Um imposto seletivo pode ser aplicado de forma “ad valorem” ou específica.

Um imposto ad valorem incide na forma de uma alíquota sobre o preço final do produto comercializado. O imposto específico, por outro lado, é administrado na forma de um preço fixo denominado por litro, tonelada, kilograma ou kilowatt do produto tributado. O imposto específico faz possível o estabelecimento de uma correlação específica entre uma medida de volume ou peso, com o preço pretendido através do imposto; por isso o imposto sobre carbono tende a ser administrado em base específica.

A instituição de um imposto sobre carbono tem o potencial de permitir que os países, isoladamente ou em conjunto, criem e apliquem impostos equivalentes sobre produtos e substâncias poluentes.

A aplicação de um imposto sobre um item poluente (como diesel, gasolina ou gás natural) tem o efeito de aumentar o preço de compra do item. Se o imposto é proporcional ao potencial poluente do item, este tem o efeito de atribuir um preço mais elevado para a substância mais poluente e um preço mais baixo para o item menos poluente - desde que o preço final dos produtos tributados não sofra outras distorções de mercado.

A aplicação de um imposto sobre o carbono é, portanto, suficiente para criar um incentivo para que os consumidores comprem o produto mais barato, e coincidentemente, menos poluente. Com o tempo, o imposto pode, portanto, agir para mudar o comportamento e os hábitos do consumidor.

Do ponto de vista da administração tributária, a aplicação de um imposto sobre carbono pode ajudar a resolver a necessidade de aumentar a base imponível tributária ao mesmo passo que possibilita a construção de uma imagem positiva, de uma administração tributária antenada com as questões climáticas.

Para desencadear a reação desejável, é importante que o imposto visado seja aplicado a um preço suficientemente alto para estimular o dispêndio com pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.

As receitas acumuladas através da aplicação do imposto podem ser designadas para o desenvolvimento de novas tecnologias, usadas para fomentar pesquisa e desenvolvimento, ou podem ser revertidas para o orçamento geral para ser utilizada em outras áreas prioritárias do governo. Embora a última opção não leve ao resultado mais desejável em termos de estímulo a políticas ambientais globais, muitos países têm limitações constitucionais contra a vinculação de receitas e, portanto, o destino da receita não pode ser controlado pela via legislativa.

Além disso, um imposto sobre carbono é um imposto de fácil administração uma vez que se pode determinar a receita potencial derivada do imposto mesmo antes de fazer incidir o imposto.

A única informação necessária para que a administração tributária possa estimar o montante de receita derivada do imposto é o volume de petróleo derivado em uma transação. A correlação entre volume de petróleo e conteúdo de carbono é matemática.

Assim, se aplicado na fase upstream de extração de petróleo, ou na importação do mesmo, cumpre à administração tributária simplesmente eleger um substituto tributário para recolher o imposto incidente em toda a cadeia produtiva.

Vários dos nossos vizinhos latino americanos, dos quais constam alguns dos nossos principais parceiros econômicos no cone sul, já introduziram impostos sobre carbono. O sistema mais antigo em vigência na América Latina pertence à Costa Rica, que já em 1997 introduziu um imposto sobre o carbono. O México seguiu em 2012, Colômbia e Argentina em 2016 e o Chile em 2017.

O artigo 154, inciso III da PEC 45 alberga para o governo e a Receita Federal a possibilidade de criar um instrumento capaz de influenciar positivamente e simultaneamente as políticas fiscal e ambiental brasileiras.

Este instrumento pode vir a desempenhar um papel crucial na modernização da matriz energética brasileira, no desenvolvimento de novas tecnologias para geração de energia limpa, e na criação de empregos relacionados com o desenvolvimento dessas novas indústrias. Vários dos nossos vizinhos latino americanos já ingressaram na rota do mote “crescimento e desenvolvimento sustentável.” Será que vamos ficar para trás?

Fonte: Valor Econômico – 30/9

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