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Trump decide hoje sobre Acordo de Paris

01 de Junho de 2017

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O presidente americano, Donald Trump, informou que anunciará hoje (1) à tarde sua decisão a respeito da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, tratado em que os países determinam voluntariamente suas metas de redução na emissão de poluentes na atmosfera.

Firmado em 2015 após mais de dez anos de negociações infrutíferas para mitigar o efeito da atividade econômica no clima terrestre, o tratado foi assinado por nada menos que 195 países e ratificado por 147, responsáveis por 80% das emissões (165 metas de redução já foram submetidas). Apenas Síria e Nicarágua ficaram fora.

Segundo maior emissor de gases depois da China, os Estados Unidos respondem por 18% do carbono lançado na atmosfera terrestre, ou 6,5 milhões de toneladas por ano. A saída americana tornaria ainda mais difíceis as metas do acordo: 1) até 2030, reduzir o carbono na atmosfera de 69 biilhões de toneladas para 56 bilhões; 2) depois disso, negociar metas futuras para manter, até 2100, o aquecimento global no nível tolerável, inferior a 2ºC.

A decisão americana poderá levar diversos outros países a rever sua participação. Pelas metas submetidas, já é incerto que o nível tolerável seja atingido. Reduzirão as emissões do nível atual, que aqueceria o planeta 4,2ºC, para apenas 3,3 ºC, segundo uma análise do Climate Interactive. Sem os Estados Unidos, esse patamar poderá facilmente subir para acima de 3,5 ºC, ou mesmo 3,8 ºC (simule aqui).

As consequências para o clima da Terra poderão ser, de acordo com o consenso dos cientistas, catastróficas. Derretimento de geleiras, elevação do nível do mar, maior intensidade de eventos extremos, como tempestades, enchentes, secas e furacões.

Um estudo publicado na revista Nature estima nesse cenário uma queda de 23% na renda média global até 2100, com aumento de desigualdade, graças sobretudo ao impacto na atividade agrícola e na produtividade. O Banco Mundial previu que, até 2030, mais de 100 milhões de pessoas podem voltar à pobreza se nada fosse feito para mitigar as mudanças climáticas.

Nada disso parece ter muita importância para o governo americano. Nos Estados Unidos, uma fração considerável da opinião pública e do Partido Republicano simplesmente despreza o consenso científico e não acredita que a atividade humana tenha qualquer interferência no clima do planeta. São incapazes de aceitar até mesmo os argumentos econômicos em favor da adoção de formas limpas de geração de energia.

A decisão de Trump será influenciada de duas facções. A favor da saída do acordo, o estrategista-chefe Steve Bannon e o chefe da Agência de Proteção Ambiental (Scott Pruitt). Contra, sua filha, Ivana Trump, e o secretário de Estado, Rex Tillerson.

Bannon se considera um "anti-globalista" e despreza qualquer organismo internacional como Otan, FMI, Banco Mundial e, naturalmente, o Painel Climático da ONU. Pruitt é um cético do clima. Foi responsável pelo cancelamento, por decreto, das as leis que limitavam a geração de energia por meio do carvão, adotadas no governo Barack Obama.

Como consequência, o governo americano já jogou para o alto a meta de reduzir, até 2025, as emissões de gases a um nível entre 26% e 28% do que era emitido em 2005. De acordo com um estudo do Rhodium Group, a queda ficaria entre 15% e 19%. O nível de redução atingido em 2017 já beira os 15%.

O pretexto de Pruitt para desfazer as regulações do governo Obama e querer abandonar o Acordo de Paris é fazer reviver a indústria do carvão. Mas o efeito tende a ser muito modesto, diz outro estudo do Rhodium Group. Mais de 49% na queda do consumo de carvão se deve à competição do gás natural. Cerca de 26%, à queda na demanda por causa de mudançås no mercado global, e 18% a outras fontes limpas de energia.

Mesmo com as medidas adotadas pelo governo Trump, o nível de empregos na indústria do carvão iria, dos atuais 73 mil, para algo entre 64 mil e 94 mil em 2025, bem abaixo dos 130 mil verificados em 2011, afirmam os autores do estudo, Trevor Houser, Jason Bordoff e Peter Marsters.

A energia solar, embora responsável por apenas 1,3% da eletricidade americana, já emprega 230 mil, e tem crescido 20% ao ano, segundo a Solar Foundation. Só na Carolina do Norte, esse mercado foi de US$ 1 bilhão, em 2013, para US$ 3,8 bilhões, em 2016. A estimativa é que, até 2030, a geração de energia limpa movimentará ao menos US$ 6 trilhões no mundo. A China já destinou US$ 380 bilhões até 2020 para dominar tal mercado.

Se abandonar o Acordo de Paris, Trump não deixará apenas um mercado trilionário nas mãos de chineses, europeus e outros países que se dispuserem a atendê-lo (entre os quais o Brasil). Também isolará os Estados Unidos diplomaticamente. A melhor forma de não ter nenhuma influência nas decisões futuras sobre o clima é deixar de ter assento nas reuniões onde são tomadas.

O mundo mudou. Adotou, nos últimos 20 anos, mais de 1.200 leis regulando atividades com impacto climático, segundo um estudo com 164 países da London School of Economics. Fora dos Estados Unidos, tribunais já promoveram 250 julgamentos com base nas consequências climáticas das causas.

Até o setor do petróleo, conhecido por ter financiado campanhas e estudos pseudo-científicos negando o impacto humano nas mudanças climáticas se transformou. Ontem mesmo, comandados por fundos de investimento, os acionistas da ExxonMobil - empresa antes comandada pelo secretário de Estado Tillerson e outrora maior financiadora do negacionismo ambiental - promoveram uma revolta exigindo que a empresa seja transparente sobre as medidas adotadas para conter o aquecimento global.

Saberemos hoje à tarde se Trump é capaz de ouvir os apelos do planeta; de líderes europeus e internacionais; de três senadores e 13 deputados republicanos, além de dezenas de democratas; de empresas como Apple, Google, Walmart, Dupont, Shell e BP, além de centenas de outras; de Tillerson e do secretário de energia Rick Perry, além do papa e de sua própria filha.

Ou se cederá a Bannon, Pruitt, à Associação Nacional de Mineração, a 12 deputados e 22 senadores republicanos e aos grupos conservadores. De todas as medidas de seu governo, com exceção de uma possível guerra nuclear, essa é que trará maiores consequências para todos nós.

(Fonte: G1 – 01/06/17)

 

 

 

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