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Um setor essencial, flexível e ativo

08 de Julho de 2020

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De acordo com dados divulgados pela Siamig, órgão que congrega as indústrias sucroenergéticas em Minas Gerais e que é presidida por Mário Campos, o Estado encerrou a safra 2019/2020 com recordes de produção de cana e etanol. A moagem totalizou 68,1 milhões de toneladas, um crescimento de 8% em relação à safra anterior de 63 milhões de toneladas.

Atualmente, como está a situação do setor em Minas Gerais e no mundo? Como a Siamig tem se posicionado perante as circunstâncias em que o etanol, açúcar e bioeletricidade se encontram? Quais os impactos sofridos pelo setor devido à crise do petróleo e a pandemia do novo coronavírus? Confira abaixo a entrevista concedida pelo presidente da Siamig à reportagem da Revista Canavieiros para falar sobre esses e outros assuntos.

Revista Canavieiros: Apesar da grande produção em 2019/20, há alguma preocupação em relação à safra 2020/21?

Mário Campos: Até fevereiro, tínhamos uma perspectiva muito boa para Minas Gerais, aliás, para todo o Brasil. Esperávamos uma grande produção já que a cana estava e ainda se mantém bonita. Além disso, teríamos bons preços, tanto de açúcar (tivemos um período satisfatório de precificação), que vem do início do último ano até o início deste ano, junto com o câmbio, e dava um valor muito interessante. Uma perspectiva boa também para consumo de etanol no mercado interno e também de energia elétrica com a recuperação da economia. Após isso, realmente o mundo caiu sobre as cabeças da sociedade mundial e agora temos uma grande incerteza, mas a cana está plantada e safra é uma questão de construção. O que posso dizer é que tivemos plantio de cana e, em novas áreas, ou seja, muita renovação. Assim, temos uma cana mais jovem e, duas unidades iniciais que estão entrando este ano. Esse fato vai agregar tanto a capacidade de produção quanto às novas áreas de cana. Minas tem uma característica muito interessante, as fábricas possuem grande flexibilidade e conseguem fazer a mudança de mix rapidamente. No ano passado testamos o limite do etanol, há três anos o limite do açúcar quando fizemos a maior safra da história do Estado, a maior produção. Essa flexibilidade possibilita que a maior parte das empresas (não são todas) otimize e, centralize a produção do produto que esteja mais rentável, no caso hoje o açúcar.

Revista Canavieiros: Esse é o início de um novo ciclo de colheita. Como a Siamig tem trabalhado no sentido de apoiar o produtor de açúcar, etanol e bioeletricidade devido ao momento em que o país e o mundo vêm enfrentando?

Campos: Acredito que não se faz uma entidade da noite para o dia, é uma construção, e a Siamig é um exemplo de anos de trabalho não só da diretoria, mas todos os associados, e hoje há um grupo muito coeso. Entramos definitivamente no mundo digital, no início da crise onde fazíamos reuniões semanais, e agora as realizamos quinzenalmente, onde analisamos os problemas que os nossos associados vêm enfrentando e atuamos de forma efetiva. Temos o apoio da nossa entidade nacional que é o Fórum Nacional Sucroenergético, em que participamos e que repassamos as informações que recebemos dos associados para construir a nossa estratégia. Além disso, temos uma federação de indústrias muito forte, atuante, próxima do governo federal e estadual e, com isso, conseguimos muitos avanços. Em termos gerais não temos uma ajuda pontual, setorial, mas temos algumas coisas que foram efetivamente colocadas com postergação de pagamento de PIS/Cofins, FGTS, as medidas provisórias trabalhistas. No outro espectro, procuramos mostrar a essencialidade do nosso setor, fizemos uma campanha onde produzimos um vídeo que rodou Minas Gerais e o Brasil mostrando a essencialidade da produção de açúcar e etanol, dizendo que não podíamos parar. Fizemos também uma grande campanha solidária de doação de álcool 70%, que ainda continua – para ajudar a sociedade. Somos essenciais não só por produzir alimentos, mas por produzir também combustível, energia e algo que é essencial no combate ao vírus na pandemia, que é o insumo que é produzido o álcool – tanto o álcool 70% glicerinado quanto em gel.

Revista Canavieiros: Com a pandemia do novo coronavírus, o consumo de etanol sofreu uma forte queda, o que vem sendo agravado com a redução dos preços do petróleo no mercado internacional. Como Minas Gerais tem lidado com essa situação?

Campos: Esse também é outro exemplo de que não se constrói o mercado da noite para o dia. Em Minas Gerais, temos a nossa real participação de todo esse complexo sucroenergético, o que envolve não só a produção de mercado, mas todo o segmento, e fizemos o nosso dever de casa há muitos anos, em 2014, quando conseguimos convencer o Governo do Estado a ter um diferencial de ICMS com relação à gasolina - então hoje Minas Gerais está bem posicionado com relação à competitividade. Com o choque de preço de petróleo isso tudo se balançou e precisamos buscar algo a mais, mas que não estava aqui no Estado e sim no plano federal. Fizemos o nosso trabalho, temos um mercado pujante, Minas é aproximadamente 10% da população brasileira, são 21 milhões de mineiros. Temos um Estado grande e, os deslocamentos também, os quais consomem muito combustíveis. Podemos nos orgulhar hoje porque o etanol tem sido a nossa grande participação. Tivemos um resultado excepcional em 2019 e este ano vamos ajustando – observamos que caiu muito o preço da gasolina e agora está aumentando. Estamos bem posicionados para voltar com o consumo no momento do pós-Covid 19.  Fizemos um trabalho lá atrás e com certeza com relação ao consumo de etanol, Minas Gerais junto com São Paulo e mais alguns Estados vão sair na frente nessa retomada.

Revista Canavieiros: Minas atualmente conta com quantas usinas e como elas se encontram?

Campos: Temos duas usinas novas e ao todo somam 36 produtoras de açúcar, etanol e bioeletricidade. Essas empresas estão obviamente entrando em operação num ano muito complicado, com muitas incertezas, mas são projetos firmes de grupos fortes e já consolidados no setor, com características de serem produtivos, de terem ativos com grande produtividade e eficiência. Eu tenho certeza que serão projetos de sucesso e esperamos que o mais rápido possível elas estejam já operando no mercado. São duas fábricas que podem produzir tanto etanol quanto açúcar, ou seja, já entra nesse momento onde ter possibilidade de mix gera retorno e estamos muito confiantes nesses dois grupos, nesses dois projetos que serão reiniciados agora em 2020.

Revista Canavieiros: Do ponto de vista internacional, como é que esse setor coloca Minas e o Brasil no contexto internacional?

Campos: A parte internacional do produto no nosso setor é praticamente quase que exclusiva na questão do mercado mundial de açúcar. Somos os maiores exportadores de açúcar e isso nos coloca nesse momento com essa questão do câmbio que estamos vivendo e também especificamente no açúcar por problemas de produção em alguns dos nossos concorrentes, nos coloca em uma boa posição. É obvio que podemos ter algum tipo de impacto no consumo mundial de açúcar porque a renda do mundo vai cair, vamos ter decréscimo de PIB nos quatro cantos do mundo. Porém estamos muito bem posicionados, primeiro porque o produto faz parte do contexto do alimento e segundo pela conjugação de câmbio e capacidade de produção do Brasil nesse momento para atender. Ainda falando do contexto internacional, todos observaram o movimento do Brasil tentando abrir os mercados para biocombustíveis ao redor do mundo, ainda há muita incerteza do que vai ser esse mundo pós-pandemia. Como é uma crise de saúde e sempre tentamos fazer esse link, sempre abordamos a questão dos biocombustíveis como melhoria da qualidade de vida e saúde da população. Eu acredito que esse debate vai se acentuar nos próximos anos. Talvez a questão econômica possa atrapalhar um pouco, mas em termos conceitual será bastante interessante ver esse debate onde os assuntos ambientais pela sua ligação forte com a área de saúde vão ser efetivamente levados em conta. Então podemos ter um espaço para biocombustível interessante. Outro ponto que também colocaria é que o biocombustível no mundo sempre se mistura com o petróleo e não sei qual será o efeito dessa redução do petróleo.

Revista Canavieiros: O 1º levantamento da safra 2020/21 de cana-de-açúcar, divulgado recentemente pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) prevê uma colheita de 630,7 milhões de toneladas de cana, volume que aponta para uma diminuição de 1,9% em relação à safra 2019/20. Poderia comentar esse assunto?

Campos: Vou falar especificamente de Minas Gerais. A estimativa da Conab está errada, não sei o que aconteceu, mas se observarmos a produtividade de Minas no ano passado foi a maior do Brasil – em torno de 83 toneladas por hectare e a Conab estimou este ano em 76 toneladas por hectare, e ainda identificou nos seus questionários um aumento de área. É praticamente impossível que tenhamos uma safra menor que a do ano passado em Minas. A Conab vem trazendo estimativas de 65 milhões de toneladas para este ano, contra 68 milhões do ano passado, essa estimativa está errada. Vamos ter crescimento em Minas, eu não saberia avaliar como são os outros Estados, principalmente São Paulo, que é a grande parte da produção. Precisamos ter um pouco de cuidado com números, obviamente será revisado, normalmente eles fazem três ou quatro levantamentos ao longo do ano. Em agosto provavelmente vão mostrar uma revisão grande desse número para Minas Gerais, porque a perspectiva aqui não é de uma redução de produtividade agrícola, aliás, a expectativa é de manutenção dessa produtividade.

Revista Canavieiros: Como Minas Gerais deve encerrar a safra 2020/21?

Campos: A safra é uma construção, não falo só da questão de produção e sim, do resultado financeiro. Estamos iniciando esse processo em meio a uma pandemia, tem muita coisa para acontecer, é um cenário de incertezas, precisamos ter calma, pensar muito e conversar bastante. Nesse momento, tudo o que as empresas podem fazer é verificar internamente como redução de custo, verificação de processo – aquilo que talvez tivessem dificuldade de fazer nos últimos anos em função de uma série de coisas, agora é a hora de fazer. Com isso, vejo inclusive uma própria valorização das entidades de classe, pois são elas que levam as demandas, fazem mobilizações de campanhas para valorização do consumo do etanol, ou seja, têm uma série de coisas - por isso que digo que é uma construção. Nesse momento, observamos grupos mais capitalizados saindo do mercado, estão estocando e, esperando esse cenário clarear um pouco mais. Obviamente esses grupos podem ter algum tipo de acesso - alguma linha, mas estamos vendo um cenário muito complexo para todo mundo. Por isso que uma das coisas que estamos solicitando ao governo é o arrentagem - que é o financiamento de estoques, alguma construção que possa democratizar esse acesso. Vejo também a importância de se fazer um comercial muito bem feito, de pensar em estratégia porque será um ano de muitos desafios, mas precisamos entender que a safra é uma construção, começou em abril e vai terminar em março do ano que vem. Tem muita coisa para acontecer, há um cenário de incertezas, mas sabemos que trabalhamos com produtos que são essenciais, que fazem parte do cotidiano, que não vai ter uma redução drástica, não é algo supérfluo, não é algo que da noite para o dia você vai deixar de consumir. Ou seja, vai continuar havendo demanda, a questão é nos posicionar. Açúcar, o mercado internacional vai ditar o processo, está interessante e, bom, tem muita gente fazendo precificação inclusive para a próxima safra. As empresas de certa forma estão mantendo sua capacidade de liquidez, e isso é o mais importante este ano. Tomar cuidado com caixa e ver o que pode ser feito em termos de otimização e redução de custos ao longo do ano.

 

Fonte: Revista Canavieiros - 06/07

 

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